terça-feira, 22 de março de 2016

A mensagem e a maçã



Francisco Paula Freire de Andrade* estava no comando das forças de Vila Rica, homem de confiança do governo. Patriota exaltado, esposara a ideia dos inconfidentes e com eles combinara o seguinte: quando, no dia da famosa derrama (cobrança de taxas), Tiradentes saísse para a rua concitando o povo a rebelar-se, Paula Freire de Andrade, comandando seus soldados, o enfrentaria, como para abafar o motim. Perguntaria, então, a Tiradentes:

– Que está desejando o povo?

– O povo quer liberdade!

– Justa aspiração! – seria a resposta do tenente-coronel.

E se reuniria ao povo para derrubar o governo português.

Sabe-se que tudo isso falhou e os revoltosos foram presos. A Paula Freire só uma coisa causava horror: a morte na forca. Não pela morte em si, disposto que estava a enfrentá-la, mas pela infâmia que tal forma de execução representava. E na prisão, sofria pela incerteza do seu destino. Tinha uma irmã, residente no Rio de Janeiro, que tudo fez para libertá-lo da pena de morte, conseguindo-o, finalmente, e tendo conhecimento desse êxito através de uma carta secreta onde se dizia que só Tiradentes sofreria a pena de morte, sendo a dos demais de desterro perpétuo.

Aflita para dar ao irmão aquela notícia, e não podendo confiá-la a quem quer que fosse, a moça pôs um bilhete dentro de uma maçã, da qual tirara cuidadosamente o miolo, tornando a encaixar-lhe a tampa. O bilhete dizia, apenas, sem qualquer menção de nomes: “certa a comutação da pena de morte”. Depois, pediu ao seu confessor, chorando, que levasse ao irmão aquela maçã, pois os padres podiam entrar na ilha das Cobras. O sacerdote, ignorando ser o portador de uma mensagem, fez-lhe a vontade. Paula Freire, entretanto, ao receber a maçã, pediu ao padre que a levasse a outro preso, o padre Toledo. Este, recebendo a maçã e lendo o bilhete anônimo que nela encontrou, em nada se sentiu surpreendido, sabido que não era aplicável a sacerdotes a pena máxima.

O trabalho de anos da irmã de Paula Freire, no sentido de livrá-lo de morte infamante, e a intenção alvoroçada de tranquilizá-lo, pelo menos, quanto a tão triste fim, estava perdido, em parte. O nobre militar continuou a sofrer as angústias da incerteza, até o dia 21 de abril, quando, na sala do Oratório, ouviu ler sua sentença, a do degredo em terras da África.

A notícia, entretanto, não lhe trouxe a alegria esperada, nem o levou a cantar abjetos louvores à magnanimidade de dona Maria Pia. Foi para o desterro levando no coração amargurado a imagem de Tiradentes, o companheiro sacrificado, ele, sim, pela morte infamante a que o levara seu sonho de liberdade para a pátria.


Tiradentes

*Francisco Paula Freire de Andrade (1752-1808), militar, nascido no Rio de Janeiro, tenente-coronel dos “dragões” de Minas Gerais, quando da Inconfidência, que favoreceu. Por isso foi preso e desterrado para as Pedras de Angoche, em Moçambique, para onde foi em 1792. Em 1808 regressava à pátria, quando faleceu em viagem.

(Do livro “Grandes Anedotas da História”, de Nair Lacerda)


Nenhum comentário:

Postar um comentário