Por Marcos Alemão*
O cliente
pede uma sugestão e recebe.
– Eu sugiro
que o senhor caia fora.
– Como é?
– A melhor sugestão do dia é cair
fora, não pedir nada. O chef está em um dos piores momentos da vida. Descobriu
que a mulher o trai toda quarta-feira. Ganhou apelido de corno feijoada.
– Mas aquele
filé grelhado, o alto, com salada. Esse nem precisa da inspiração do chef.
– Concordo, mas eu não sei se o
senhor ficou sabendo que o dono, o doutor Plínio, gastou uma fortuna com o
filho mais velho. Cirurgia de mudança de sexo.
– E o que o
meu filé tem a ver com isso?
– Vai na cozinha dar um olhada nas
carnes que ele tem comprado por conta da verba. Nem pro meu cachorro eu daria.
– Não tem F
de confiança?
– Tem F de
fedorenta.
– Só por
curiosidade; deu certo a operação?
– A vida é complicada, doutor. O
rapaz virou uma moça linda e é justamente essa moça que frequentava a cama do
feijoada.
– Que antro!
– Sugeri pro
chefe ontem. Mudar o nome da casa pra Antro da Gastrô.
– Mas nem
uma saladinha?
– Tão
lavando com água de reúso. Encaras?
– Macarrão
também na água de reúso?
– Antro Sustentável da Gastrô. Acho
que vou sugerir esse adendo ao nome.
– Tô achando
melhor ir embora.
– Sabendo de
algum restaurante que esteja precisando de um garção sincero e discreto...
– Outro
restaurante.
– O cardápio de vocês é enorme. Tô cheio
de dúvidas.
– Quer levar
o cardápio pra casa e voltar amanhã? Eu tô cheio de freguês pra atender.
– Pode
chamar o maître?
– Eu sou o
maître.
– O pior
maître do mundo. Um lixo de maître. Tem dono essa porcaria de lugar?
– Uma
porcaria de dono, pra dizer bem a verdade.
– Deve ser
mesmo, pra contratar um incompetente da sua categoria.
– A minha contratação eu diria que
foi a melhor coisa que ele fez. O senhor precisa conhecer o chef!
– Ruim?
– Ruim?!?
Péssimo! Todos esses pratos do cardápio ele copiou de uns livros de receitas.
– De
repente, se forem bons livros.
– A mãe dele escreveu. A mãe dele
passou a vida internada em um manicômio judiciário. Ela inventava receitas, as
pessoas provavam, odiavam e ela, com raiva, matou uma meia dúzia.
– Mas e o
dono não fala nada?
– O dono, coitado, tinha um
restaurante aqui perto. O filho mudou de sexo e papou a mulher do chef. O chef deu
cabo dos dois, o doutor Plinio – Plinio é o nome dele – ficou com a cabeça
perturbada, acabou com a vida do corno feijoada – era o apelido do chef – foi
internado, acabou conhecendo a mãe do nosso chef, se apaixonou por ela e pelos
livros de receitas que escrevia. Quando soltaram ele, abriu isso aqui.
– E me diga
que tal esse panetone de atum com crosta de merengue da Canastra.
– Excelente
escolha!
*****
*Texto publicada na CartaCapital em 04.02.2016
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