Tocar, abraçar,
acariciar. É o que desejamos,
mas entre nós existe uma carência profunda disso.
Será que as pessoas se tocam o
suficiente? Sem dúvida, não. Entre nós, existe uma carência muito profunda
daquilo que mais desejamos: tocar, abraçar, acariciar… E isso vem desde muito
cedo. Estudos atuais mostram que, entre as causas menos conhecidas para o choro
dos bebês, está a necessidade de serem acariciados.
Muitas mães rejeitam um contato mais
prolongado com seus filhos, com base na falsa suposição de que, se o fizerem,
se tornarão profundamente dependentes delas. Não são poucos os pais que evitam
beijar e abraçar filhos homens, porque temem que se tornem homossexuais. Mesmo
dois grandes amigos se limitam a expressar afeto dando tapinhas nas costas um
do outro, enquanto amigas trocam beijinhos impessoais quando se encontram.
A pele, o maior órgão do corpo, até
há pouco foi negligenciada. Ashley Montagu, um especialista americano em
fisiologia e anatomia humana, se dedicou, por várias décadas, ao estudo de como
a experiência tátil, ou sua ausência, afetaria o desenvolvimento do
comportamento humano. A linguagem dos sentidos, na qual podemos ser todos
socializados, é capaz de ampliar nossa valorização do outro e do mundo em que
vivemos, e de aprofundar nossa compreensão em relação a eles.
Tocar, que é o título de seu
excelente livro, em que se baseia este artigo, é a principal dessas linguagens.
Afinal, como ele mesmo diz, nosso corpo é o maior playground do universo, com
mais de 600 mil pontos sensíveis na pele. Como sistema sensorial, a pele é, em
grande medida, o sistema de órgãos mais importante do corpo. O ser humano pode
passar a vida toda cego, surdo e completamente desprovido dos sentidos do
olfato e do paladar, mais não poderá sobreviver sem as funções desempenhadas
pela pele.
Montagu acredita que a capacidade de
um ocidental se relacionar com seus semelhantes está muito atrasada em
comparação com sua aptidão para se relacionar com bens de consumo e com as
pseudonecessidades que o mantêm em escravidão. A dimensão humana encontra-se
constrangida e refreada. Tornamo-nos prisioneiros de um universo de palavras
impessoais, sem toque, sem sabor, sem gosto. A tendência natural é as palavras
ocuparem o lugar da experiência. Elas passam a ser declarações ao invés de
demonstrações de envolvimento; a pessoa consegue proferir com palavras aquilo
que não realiza em um relacionamento sensorial com outra pessoa. Mas estamos
começando, aos poucos, a redescobrir nossos negligenciados sentidos.
O sexo tem sido considerado hoje a
mais completa forma de toque. Em seu sentido mais profundo, o tato é
considerado a verdadeira linguagem do sexo. É principalmente através desta
intensa estimulação da pele que tanto o homem quanto a mulher chegam ao
orgasmo, que será tanto melhor quanto mais amplo for o contato pessoal e tátil.
Mas até que ponto existe relação entre as primeiras experiências táteis de uma
pessoa e o desenvolvimento de sua sexualidade? O autor acredita que, da mesma
forma como ela aprende a se identificar com seu papel sexual, também aprende a
se comportar de acordo com o que foi condicionado por meio da pele.
Assim, o sexo pode ter uma variedade
enorme de significados: uma troca de amor, um meio de magoar ou explorar os
outros, uma modalidade de defesa, um trunfo para barganha, uma afirmação ou
rejeição da masculinidade ou feminilidade, e assim por diante, para não
mencionar as manifestações patológicas que o sexo pode ter, em maior ou menor
grau de intensidade, são todas elas influenciadas pelas primeiras experiências
táteis. Montagu acredita que a estimulação tátil é uma necessidade primária e
universal. Ela deve ser satisfeita para que se desenvolva um ser humano saudável,
capaz de amar, trabalhar, brincar e pensar de modo mais crítico e livre de
preconceitos.
(Regina Navarro Lins, em O Dia D)
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