sábado, 30 de janeiro de 2016

O Feio



Era uma vez um coelhinho criado por uma família de cangurus. Os cangurus cresciam, o coelhinho não, e por isso o apelidaram de Canguruzinho Feio e passaram a chamá-lo de pulga, pula-migalha, salta-formiga e todas essas coisas ofensivas que os cangurus altos reservam para os cangurus baixinhos. Um dia, porém, toda família de cangurus foi passear em Adelaide. E era páscoa. E o Canguruzinho Feio descobriu, maravilhado, que não era um Canguruzinho Feio, mas um belo coelho, animal fantástico, capaz de pôr ovos coloridos de chocolate e, por esta razão, merecer dos humanos um tratamento de semideus. De início, os cangurus o olharam com toda a admiração, até que um deles – não muito alto, por sinal – provocou: “Ah é, bonito? Bota um ovo de chocolate aí, então, pra gente ver?”

O coelho se agachou, fechou os olhos, mentalizou um ovo de 500 g da Lindt, fez toda força que seu pequeno esfíncter era capaz, mas o resultado foi apenas uma bolinha de cocô. Os cangurus explodiram numa gargalhada. O coelho ainda apertou o cocozinho com a ponta da unha e uma ponta de esperança: vai que era um MM marrom? Não era.

Morto de vergonha, o Canguruzinho Feio abandonou a família e passou a viver mendigão pelas ruas de Adelaide.

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Era uma vez uma lesma criada por uma família de minhocas. As minhocas pararam de crescer, mas a lesma seguia inchando, por isso a apelidaram de Minhocona Feia e passaram a chamá-la de bisnaga, linguiça, isca de baleia e todas essas coisas ofensivas que as minhocas magras reservam para as minhocas gordas. A Minhocona Feia vivia fazendo regime, jejuava por dias inteiros, tentou cortar carboidratos, glúten, frituras, mas nada adiantava. O que mais a envergonhava, porém, não era o peso, era produzir, em vez do húmus – orgulho e alegria de toda minhoca –, uma baba humilhante que a seguia por onde fosse.

Um dia choveu muito, o gramado alagou e as minhocas tiveram que se abrigar na varanda. Nesse dia, a Minhocona Feia olhou para a vidraça da casa e viu duas Minhoconas Feias iguais a ela, na ponta de dois rastros iguais ao seu. Nesse dia, ela descobriu que não era uma Minhocona Feia, mas uma bela jovem lesma.

Por uma semana, a bela jovem lesma viveu feliz com seus pares, babando na vidraça e comendo como uma condenada. E uma condenada, de fato, ela se tornou: de tanto comer para compensar os tempos de penúria, passou a ter problema de colesterol, diabetes, pressão alta e acabou enfartando não muito depois da sua redenção.

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Era uma vez um ouriço que nasceu próximo a uma família de polvos. Por uns dez segundos, ele acreditou que pudesse ser um polvo esquisitíssimo, mas pensou melhor e percebeu que não.

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Era uma vez u filhote de tigre criado por uma família de gatos. Os gatinhos pararam de crescer, mas o tigre não, por isso o apelidaram de... De nada, pois assim que percebeu as risadinhas, o filhote de tigre almoçou os quatro irmãos, a mãe, uma lesma moribunda que encontrou na varanda, um coelho bebum que trombou na esquina e são não comeu o ouriço e família de polvos porque não nasceu no fundo do mar, não se achava um peixe-tigre e sequer sabia nadar.

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Antonio Prata é escritor, autor de Nu, De Botas (2013). 
Escreve semanalmente neste Caderno – Zero Hora.

2 comentários:

  1. Muito bom esse conto, ou é uma crônica, fiquei na dúvida.Eu tenho um amigo, que um dia conversando sobre feio e bonito, me falou, que tudo tem sua beleza, basta saber olhar, apartir desse dia comecei a ver as coisas de forma diferente.

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  2. Na verdade são pequenos contos, cada um sobre uma situação fantasiosa da vida.

    Esse seu amigo ele sabe das coisas...

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