sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Um punhal no Senado



Pinheiro Machado

Pinheiro Machado mandava no país. Mandava tanto que era considerado o “Condestável da República”. Dele também diziam ser o “fazedor de presidentes”. Com tamanho poder, não lhe era difícil angariar adeptos, promover acordos políticos, estender seu prestígio a todos os Estados.

Amado por muitos, também era odiado por outros tantos que o culpavam pelos males do país.

Tinha, por isso, medo de ser assassinado. Em julho de 1915, ele disse:

“– É possível que durante a convulsão que nessa hora sacode a República em seus fundamentos, possamos submergir. (...) É possível mesmo que o braço assassino, impelido pela eloquência delirante das ruas, nos possa atingir”.

Era mesmo um tempo de convulsões e indisciplina, inclusive nos quartéis. Foram expulsos 256 sargentos, naquele ano.

A biografia do gaúcho José Gomes Pinheiro Machado é reveladora. Nasceu em Cruz Alta, em maio de 1851 e, aos 14 anos, fugiu da Escola Militar, para alistar-se e seguir rumo à Guerra do Paraguai, tendo participado de vários combates. Em 1879, concluído o curso de Direito na Faculdade de São Paulo, estabeleceu-se como advogado e pequeno estancieiro.

Com a chegada da República, em 1889, elegeu-se senador e logo se tornou um dos pró-homens da política nacional. Já havia se destacado aqui, como líder republicano, partidário de Júlio de Castilhos e um dos fundadores do jornal A Federação.

Em 1905, escolhido vice-presidente do Senado, cabia-lhe o controle da decisiva Comissão de Verificação de Poderes, responsável pela definição de quais os eleitos teriam o direito de tomar posse.

Usou com mão de ferro esse instrumento poderoso, para impedir o acesso ao Parlamento de adversários políticos, e com isso angariou ainda maior número de inimigos.

A ascensão de Hermes da Fonseca à Presidência da República só fez aumentar o poder de Pinheiro Machado, de tal forma que passou a ser conhecido como “o homem que governa o governo”.

Mas isso lhe causou dissabores, a começar pela articulação de seus adversários para impedi-lo de suceder o marechal na presidência, como pretendia.

Também cresceu o ódio popular.

Em julho de 1915, tentaram linchá-lo, quando deixava o Palácio Monroe. Foi então que respondeu ao motorista, sobre o que fazer diante da multidão, com uma frase que se tornou célebre:

– Nem tão devagar que pareça afronta, nem tão depressa que pareça medo.

Pinheiro Machado era admirado por estar sempre vestido com extrema elegância.

Na tarde do dia 8 de setembro de 1915, deixa o Senado na companhia de políticos da sua intimidade para encontrar o líder republicano paulista Rubião Júnior.

Entra no Hotel dos Estrangeiros vestindo fraque com cravo vermelho na lapela, calças escuras e colete, chapéu e bengala.

Francisco Manso de Paiva Coimbra, um homem do povo, também gaúcho, ferrenho adversário das ideias de Pinheiro Machado, sabe dessa visita. E fica à tocaia, na entrada do hotel.

Deixa-o passar.

E logo o apunhala pelas costas.

– Ah! Canalha! – diz Pinheiro Machado.

Os amigos, espantados, seguram o agressor.

– Apunhalaram-me... – é a última expressão do senador de ferro.

Manso de Paiva afirma que agiu por conta própria.

Encerra-se naquele entardecer carioca a história da ascensão e queda de um dos maiores políticos da história do Rio Grande e do país.

O corpo embalsamado de Pinheiro Machado é trazido para Porto Alegre. Chega 10 dias depois, na manhã de 18 de setembro, a bordo do navio Javary.

Milhares de pessoas se aglomeram nas ruas próximas ao Cais do Porto e acompanham o féretro até a Intendência Municipal, onde é celebrada missa e a população homenageia o político durante toda a noite.

Por volta das 10 horas do dia seguinte, um domingo, enorme cortejo acompanha o corpo até o Cemitério da Santa Casa.

No Rio de Janeiro, a polícia recolhe, da caixa de correspondência do assassino, dezenas de cartas de desconhecidos que aplaudem e festejam a atitude de Manso de Paiva.

E os admiradores de Pinheiro Machado lembram as palavras por ele ditadas ao jornalista João do Rio, dias antes:

– Morro na luta. Matam-me pelas costas, são uns “pernas finas”. Pena que não seja no Senado, como César...

Da coluna Boletim de Ocorrência, em ZH, por Celito De Grandi

Pinheiro Machado, advogado e fazendeiro, líder republicano e senador do Rio Grande do Sul desde a Constituinte de 1890, condestável da República Velha, foi visitar o senador Bernardo Monteiro, seu amigo, em um hotel do Rio, e viu que ele usava ceroulas comuns. Reclamou:

– Bernardo, precisamos estar preparados para morrer na rua. Vista-se sempre de seda por baixo. Seja um cadáver decente.

Em 8 de setembro de 1915, Pinheiro Machado foi assassinado a facadas, no hall do Hotel dos Estrangeiros, no Rio, por um popular, Francisco Manso de Paiva Coimbra. Apareceram as ceroulas. De seda. Um cadáver decente.

(Sebastião Nery)


À esquerda, Manso de Paiva, o assassino, à direita,
o assassinado, o senador Pinheiro Machado.

O assassino, o gaúcho Manso de Paiva, tinha 33 anos, estava desempregado e ostentava no currículo e deserção do Exército e uma temporada como cabo da Polícia. Segundo Nosso Século “não fugiu nem tentou se livrar da culpa”. Alcançado, “entregou a faca suja de sangue nas mãos de um deputado e esperou a polícia”. Eis tudo: “Preso em flagrante, foi depois julgado e condenado a 30 anos de prisão. Até a morte, na década de 1960, declarou ter agido por conta própria, e não a mando de alguém”. Submetido a exames, interrogatórios e perícias, o assassino disse que o seu gesto “teve influência decisiva do que lia nos jornais sobre o Senador Pinheiro Machado”. Culpa da mídia? Na época, a mídia se chamava imprensa.

(Da coluna de Juremir Machado da Silva)



Fraque com cravo vermelho na lapela, 
calças escuras e colete, chapéu e bengala.


Cortejo Fúnebre - Av. Beira-Mar - Rio - 9.9.1915


Cortejo Fúnebre em Porto Alegre-RS


Túmulo do Senador Pinheiro Machado no Cemitério da Santa Casa, 
em Porto Alegre, RS.




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