Espelho
O mundo é como um espelho que devolve a cada pessoa o reflexo de seus
próprios pensamentos. A maneira como você encara a vida é que faz toda
diferença.
Medo
Nunca tenha medo de tentar algo novo. Lembre-se de que um amador
solitário construiu a Arca. Um grande grupo de profissionais construiu o
Titanic.
Filhos
A verdade é que a
gente não faz filhos. Só faz o layout. Eles mesmos fazem a arte-final.
Brasil
Brasil: esse estranho
país de corruptos sem corruptores.
Casamento
Quando o casamento parecia a caminho de se tornar obsoleto, substituído
pela coabitação sem nenhum significado maior, chegam os gays para acabar com
essa pouca-vergonha.
Perguntas e Respostas
Quando a gente acha
que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas.
Vento
Os tristes acham que o
vento geme; os alegres acham que ele canta.
Amor
Não deixe de acreditar no amor, mas certifique-se de estar entregando
seu coração para alguém que dê valor aos mesmos sentimentos que você dá,
manifeste suas ideias e planos, para saber se vocês combinam e certifique-se de
que quando estão juntos, aquele abraço vale mais que qualquer palavra.
Detalhes
Com o tempo, os
detalhes estragam qualquer biografia.
Praga
A diferença entre a Argentina e a República Checa é que a República
Checa tem o governo em Praga e a Argentina tem essa praga no governo.
Religião
As pessoas que querem compartilhar as visões religiosas delas com você,
quase nunca querem que você compartilhe as suas com elas.
Mundo
O mundo não é ruim, só
está mal frequentado.
Livre
Mas eu desconfio que a
única
pessoa livre, realmente livre, é a que não tem medo do ridículo.
Poço
No Brasil
o fundo do poço é apenas uma etapa.
Reencarnação
Não vejo vantagem na
reencarnação, a não ser que conte tempo para o INSS.
Desilusão
Ainda pior do que a
desilusão de um não ou a incerteza de um talvez, é a desilusão de um quase.
Honestidade
Tem muita gente honesta neste país. Só não se identificam para não
ficar de fora se aparecer um bom negócio.
Sentir Falta
No fim, o que a gente
mais sente falta do passado é o seu futuro.
Otários
Não somos otários, como pensam. Somos hipócritas. Isto é, otários
conscientes, otários assumidos, otários porque o contrário seria sucumbir ao
amoralismo dos outros.
Iceberg
Ninguém é o que parece ou o que aparece. O essencial não há quem
enxergue. Todo mundo é só a ponta do seu iceberg.
Acusadores
Não viro a cara para meus acusadores, embora eles só mereçam desprezo,
mas os enfrento com um olhar límpido como minha consciência e um leve sorriso
no canto da boca.
Descanso
No começo, Deus criou o mundo e
descansou. Então, Ele criou o homem e descansou. Depois, criou a mulher. Desde
então, nem Deus, nem o homem, nem o Mundo, tiveram mais descanso.
*****
O fim
Deus reuniu
seu staff e anunciou: o mundo vai acabar.
Todos se
entreolharam. Como, acabar?
– Acabar – disse
Deus. – Não vai ter mais. Ponto final. The end. Finito.
– Mas
Senhor... – começou a dizer um dos assessores.
– Cansei – interrompeu–o Deus. – No
princípio ainda foi divertido. A fase da criação. O dia. A noite. Os bichos.
Tudo era novo. Tudo era a primeira vez. E eu era mais jovem, tinha o entusiasmo
e o otimismo dos jovens. Agora não tenho mais saco. E a humanidade me
decepcionou. Ela não é nada do que eu tinha planejado Desperdicei meus melhores
efeitos numa humanidade que nunca soube apreciar minha obra. Muitos até duvidam
que ela seja minha.
Todos haviam reparado que Deus andava
mesmo meio irritadiço. Manifestava sua irritação com o tempo, com os excessos
de calor num hemisfério e de frio no outro, com furacões fora de hora, com
secas inclementes e enchentes catastróficas. Acordava de manhã e a primeira coisa
que pedia, antes do iogurte, era “Um cataclismo, rápido! Não importa onde”.
– Como será
o fim, Senhor?
– Com um estrondo. Pum, e fim. Eles
não vivem falando no tal Big Bang, que teria siso o começo de tudo, e não Eu?
Pois agora eles vão ver um Big Bang.
– Senhor, quem sabe outro dilúvio? Assim
o Senhor se livraria da humanidade, mas preservaria os bichos, e poderia
começar tudo de novo...
– Nah... – disse Deus. – Já posso ver
o que correria de propina na disputa para construir outra arca. Com Noé foi
assim. Pensei que era um homem honrado, e foi outra decepção. Ou alguém não
sabe que depois do dilúvio ele abriu uma conta numa off–shore com o dinheiro
que ganhou da empreiteira? Nada de arca. Vai ser pum, e pronto.
– Mas Senhor, tem que haver algum tipo
de solenidade no fim do mundo...
– Como o
quê, por exemplo?
– Um espetáculo. Afinal, se tratará
de uma apoteose. Da última apoteose. O que o Senhor acha?
– Hmmmm.
Desde que não tenha mímica. Eu odeio mímica.
– Seria um espetáculo musical. Uma
sinfonia final, acompanhada de fogos de artifício, mil músicos, um balé com mil
bailarinas... E, claro, o Cirque du Soleil. Encomendaríamos a sinfonia de um
dos nossos compositores.
– Quem é que nós temos?
– É só escolher! Temos Mozart, temos
Beethoven... Imagine uma Sinfonia do Fim do Mundo escrita pelo Beethoven!
– Ele
toparia?
– Por que
não? Não está fazendo nada. E se ele não topar, temos o Wagner!
– Wagner não
foi pro inferno?
– Poderíamos
propor um empréstimo.
– Wagner não. Tem a questão do
antissemitismo. Pegaria mal com a turma do Jeovah, com quem Eu tenho um bom
relacionamento.
– Que tal
Mahler?
– Mahler! Claro! Sempre me
perguntei por que Eu tinha criado o Mahler, e agora Eu sei. Vai ser Mahler!
– Ótimo!
– Mas nada
de mímica.
Luís Fernando Veríssimo
Luis Fernando Veríssimo (Porto
Alegre, 26 de setembro de 1936) é um escritor brasileiro.
Mais conhecido por suas crônicas e textos de humor, mais
precisamente de sátiras de costumes, publicados diariamente em vários jornais
brasileiros, Veríssimo é também cartunista e tradutor, além de roteirista de
televisão, autor de teatro e romancista bissexto. Já foi publicitário e copy
desk de jornal. É ainda músico, tendo tocado saxofone em
alguns conjuntos. Com mais de 60 títulos publicados, é um dos mais populares
escritores brasileiros contemporâneos. É filho do também escritor Érico
Veríssimo.
*****
P.S. Já cruzei com o Luís
Fernando Veríssimo algumas vezes nos cinemas de Porto Alegre: na sala, na saída
ou na entrada de algum filme de bom gosto. Gentil, simpático, sem estrelismo.
Ele, sim, é o cara!
Nilo da Silva Moraes
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