domingo, 6 de dezembro de 2015

Expressões interessantes

Estas expressões encabeçam cada página ímpar do livro De onde vêm as palavras – de Deonísio Silva - Editora Mandarim.
O autor apresenta a etimologia das palavras em ordem alfabética, sendo um verdadeiro dicionário.

À beça

Significando em grande quantidade, a origem desta expressão é atribuída à profusão de argumentos utilizados pelo jurista sergipano Gumercindo Bessa ao enfrentar Rui Barbosa (1849-1923) em famosa disputa pela independência do então território do Acre, que seria incorporado ao Estado do Amazonas. Quem primeiro utilizou a expressão foi Francisco de Paula Rodrigues Alves (1848-1919), presidente do Brasil de 1902 a 1906, depois reeleito, mas sem poder assumir por motivos de saúde, admirado da eloquência de um cidadão ao expor suas idéias: "O senhor tem argumentos a bessa". Com o tempo, o sobrenome famoso perdeu a inicial maiúscula a os dois ‘esses’ foram substituídos pela letra ‘cê’.

A dar com um pau

Esta frase, indicando abundância, nasceu no nordeste. Vindas da África, milhares de aves de arribação, extenuadas pela travessia do atlântico, pousam na lavouras em busca de alimentos. Chegam cansadas e famintas, quase desabando sobre o solo. Os sertanejos, porém, não tem nada com isso e aqueles bandos apresentam séria ameaça às plantações. Ou eles matam as aves ou depois não terão o que comer. Desaparelhados para o combate, antigamente os agricultores matavam os pobres pássaros a pau, e não aparecia nenhum ecologista para defendê-los. O escritor Joaquim José da França Júnior (1838-1890), patrono da cadeira 12 da academia Brasileira de Letras, registrou a frase famosa na comédia Direito por linhas tortas: "A mulher tomou sulfatos a dar com um pau".

A emenda saiu pior do que o soneto

Querendo uma avaliação, certo candidato a escritor apresentou soneto de sua lavra ao poeta português Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) pedindo-lhe que marcasse com cruzes os erros encontrados. O escritor leu tudo, mas não marcou cruz nenhuma, alegando que elas seriam tantas que a emenda ficaria ainda pior do que o soneto. A autoridade do mestre era incontestável. Bocage levou essa forma poética a tal perfeição que fazia o que bem queria com um soneto, tornando-se muito popular, principalmente em improvisos satíricos e espirituosos, pelos quais é conhecido.

A maioria dos homens se apaixona por Gilda, 
mas acorda comigo

Esta frase, dita pela primeira vez pela atriz americana Rita Hayworth (1917-1987), virou metáfora de relações amorosas baseadas na fantasia e que depois caem na real. Rita construiu uma imagem voluptuosa em seus filmes, sobretudo naqueles rodados na segunda guerra mundial, que serviam de entretenimento aos soldados aliados. Deusa do amor nos anos 40, era suave, sensual e charmosa. Ótima dançarina e intérprete, a atriz encontrou boas razões para proferir a frase famosa. Seus casamentos não davam muito certo, mas ela ia persistindo. Teve cinco maridos, entre eles o cineasta americano Orson Welles (1915-1985).

Ao Deus dará

Esta famosa frase serviu originalmente de resposta de quem não queria dar esmolas. Homens duros de coração respondiam aos mendigos que lhe estendiam a mão: Deus dará. Eles não. Quem dependia da caridade pública ficava em má situação, ao Deus dará. A expressão cristalizou-se de tal forma que, no século XVII, um negociante português que vivia no Recife, de tanto proferir a frase, passou a tê-la acrescentada ao próprio nome. Ficou conhecido como Manuel Álvares Deus Dará. Seu filho, Simão Álvares Deus Dará, foi provedor-mor da fazenda do Brasil.

A terra lhe seja leve

Esta frase é tradução perfeita da sentença latina "Sit tibi terra levis", que os romanos inscreviam nos túmulos, às vezes apenas com as iniciais S.T.T.L., por considerarem que aos mortos tudo se deveria perdoar. Machado de Assis (1839-1908) faz pequena variação desta frase no romance Dom Casmurro, levando Bentinho, o marido de Capitu, a perdoar a mulher e o amigo Escobar, que conjuntamente o traíram. Apenas de todas as evidências, vários críticos insistem em ignorar um dos adultérios mais comprovados do mundo, o que fez o escritor Otto Lara Rezende (1922-1992), entre outros, publicar famosos artigos sobre o tema, vituperando a obtusidade. Que a terra seja leve também para os que interpretam textos de forma equivocada, às vezes até em livros ditos didáticos

É um pé-rapado

No Brasil colonial, pés-rapados eram trabalhadores que produziam riqueza na lavoura e nas minas. Com seu trabalho, o rei português Dom João V (1689-1750) enchia as burras monárquicas de ouro e diamantes vindos do Brasil. Gastou fortunas em doações a ordens religiosas e foi gigantesco o esbanjamento que garantiu a vida luxuosa da corte, a ponto de o seu reino tornar-se a maior nação importadora européia. Mas erigiu também museus, hospitais e a casa da moeda, além de providenciar a canalização do rio Tejo. Tudo pago pelos pés-rapados brasileiros.

Deu de mão beijada

Com o significado de entrega espontânea, esta frase nasceu do rito empregado nas doações ao rei ou ao papa. Em cerimônia de beija-mão, os fiéis mais abastados faziam suas ofertas, que podiam ser terra, prédios e outras dádivas generosas. O papa Paulo IV (1476-1559), em documento de 1555, aludiu a esses meios regulares de provento sem ônus, dividindo-os em oblações ao pé do altar e de mão beijada. Desde então a frase tem sido aplicada para simbolizar favorecimentos. Nunca de mão beijada, em 1998 foi a sexta vez que o Brasil disputou a final de uma copa do mundo.

Pôr em pratos limpos

O primeiro restaurante foi aberto na frança em 1765. Estabeleceu-se desde o início que a conta seria paga após a pessoa comer, ao contrario do que depois veio a acontecer com os lanches rápidos. Quando o dono ou o garçom vinha cobrar a conta e o cliente ainda não havia feito a refeição, os pratos limpos eram a prova que ele nada devia. A frase passou a servir de metáfora na resolução de conflitos. Quem gostava de pôr tudo em pratos limpos, com "a alma lavada e enxugada", era o personagem Odorico Paraguaçu, criado por Dias Gomes em O bem-amado e vivido por Pelópidas Gracindo, mais conhecido como Paulo Gracindo (1911-1995).


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