Estava revisando alguns livros,
quando me bateu a curiosidade de ver que efemérides Coruja Filho (pseudônimo
literário de Sebastião Leão) registrou em “Datas Rio-grandenses”, neste Dia de
São Pedro. Pois nem de propósito: em 21 de junho 1849, ele assinalou uma
batalha campal travada por adolescentes, que marcou a história da cidade de
Porto Alegre – Bagadus x Tinteiros.
Era um tempo em que não havia tevê,
drogas ou computadores, a cuja influência se atribui, hoje em dia, muitos dos
problemas protagonizados por menores. Já podiam ser identificados, entretanto,
então, dois males que persistem na sociedade brasileira: educação e má
distribuição de renda.
Os Bagadus eram meninos de famílias pobres que moravam no então 3º
Distrito de Porto Alegre, área compreendida pelas Ruas do Arroio (Bento
Martins), Varzinha (Demétrio Ribeiro), Pantaleão Telles (Washington Luís),
Cadeia (desaparecida na reurbanização da cidade), Praça da Harmonia e parte das
Ruas dos Andradas, Ponte (Riachuelo) e Igreja (Duque de Caxias). As famílias
dos Tinteiros, mais abonadas,
habitavam a área entre as Ruas do Arroio e Portão.
Os dois bandos viviam brigando e por
mais de uma vez causaram ferimentos sérios uns nos outros. Geralmente os Bagadus eram os vencedores porque tendo de trabalhar desde cedo, eram
fisicamente mais fortes.
Naquele ano de 29 de junho 1849, um
fato agravou a rivalidade: em uma novena ou festejo do Espírito Santo, um grupo
de tinteiros encontrou três bagadus desprotegidos e decidiram surrá-los para se
vingar das derrotas sofridas.
Imediatamente, os bagadus se
mobilizaram, pois um dos surrados era seu próprio chefe. Os dois grupos
trocaram notas e combinaram a tarde de 29 de junho para resolver a questão no
Alto da Bronze. O que se seguiu foi hilariante. É Sebastião Leão que nos conta:
“De fato, na hora e dia indicados,
ali se achavam armados com bengalas e facas, dezenas de meninos dos dois
partidos. Travou-se tremenda luta entre os dois grupos, que inopinadamente
viram-se cercados por numerosa força armada, que para ali fora enviada pelo
Chefe de Polícia, Dr. Sayão Lobato. O comandante da força recebera ordens
terminantes de não maltratar os meninos, e, simplesmente, amedrontá-los, pois
era convicção do Chefe de Polícia que a presença da força bastaria para que os
dois partidos batessem em retirada. (...)
Vendo-se cercados pela polícia, os
dois grupos inimigos aliaram-se e reagiram como homens. A princípio os soldados
foram apanhando às pauladas, sem tugir nem mugir, mas, quando sentiram as
costas quentes, começaram a despejar bordoadas a torto e a direito. O aspecto da
luta tornou-se mais grave, e terríveis seriam as suas consequências, se não
tivessem acudido ao local do combate, grande número de chefes de família e as
mães dos jovens guerreiros, que conseguiram dar termo à batalha.”
Soares Andréa, o Presidente da
Província, para terminar de vez com as brigas entre os dois bandos, anunciou
que seriam presos e remetidos para a Escola de Aprendizes de Marinheiro os
menores que brigassem nas ruas. Para dar exemplo, ordenou a prisão de “alguns
meninos vagabundos, de maus costumes, e mandou que passassem pelas ruas da
cidade, no meio de um pelotão de soldados de baionetas caladas, e depois embarcassem
para o Rio de Janeiro”.
Segundo a nota de Sebastião Leão foi
o suficiente para acabar de vez com as brigas de Tinteiros e Bagadus. Temerosos
do mesmo destino, nunca mais se engalfinharam.
Jayme Copstein
Tinteiros e Bagadus - Porto alegre 1837
... chamada “Tinteiros e Bagadus”,
Aquiles lembra que nem sempre reinava a harmonia no espaço urbano e descreve os
confrontos dominicais dessas duas turmas.
“Atavismo ou simplesmente imitação, o
caso é que há sempre na infância uma tendência muito acentuada para a espada,
para a guerra, para todos os armados em luta. (...) Em Porto Alegre (...)
havia os “Tinteiros e Bagadus”. Estes eram constituídos pelos rapazes
do terceiro distrito, e aqueles pelos de outra zona da cidade. Estes dois
partidos digladiavam-se terrivelmente. Armavam conflitos formidáveis, eram
irreconciliáveis e não se pense que “Tinteiros” e “Bagadus” se compunham somente de garotada vagabunda. Não. Muitos rapazes de boa família
faziam parte, como chefes ou simples soldados, desses grupos arruaceiros que em
certos dias da semana, punham na "urbs" uma nota belicosa. Além
disso, nesse tempo, a cidade estava infestada pela praga terrível dos
"capoeiras". Nessas lutas "domingueiras" (eram sempre aos
domingos) entre "Tinteiros e Bagadus" as armas empregadas era a
capoeira e a pedra [grifo nosso]." (Achylles,1994,p.95)
Achylles Porto Alegre (1848-1926)
revela que a capoeira era recorrente nas ruas das cidades, não praticada somente
por populares "Os Bagadus" que habitavam ao sul do lago Guaíba, 3°
Distrito (geralmente associado aos territórios negros), mas também por
segmentos de classe média e alta da cidade, geralmente estudantes egressos de
famílias tradicionais, "Os Tinteiros", que ocupavam as partes altas
da cidade, 1° Distrito).
O autor aponta ainda para uma
demarcação simbólica dos espaços, onde estes eram motivos de conflitos nas
famosas domingueiras.
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