Carlos Drummond de
Andrade. Poeta, Contista e Cronista brasileiro.
Itabira MG, 1902. Rio
de Janeiro, 1987. Profeta também.
I
O Rio? É Doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
II
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
III
A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.
IV
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?
Publicado em 1984 no jornal Cometa
Itabirano, o poema não chegou a ganhar versão subsequente em livro – o que
levou alguns portadores de antologias de poemas do autor a, em um primeiro
momento, duvidar da autenticidade da citação, mas os versos são mesmo de
Drummond.
Escrito em um período em que a dívida
externa era um fantasma no horizonte de qualquer tentativa de crescimento no
Brasil, Lira Itabirana, com versos curtos e diretos que buscam inspiração nas
quadras da poesia popular, faz a comparação entre a atividade mineradora
incessante e lucrativa e a dívida "eterna" do país, pouco aplacada
mesmo com as toneladas de ferro exportado.
Apesar do aparente tom antecipatório,
ele apenas reitera alguns elementos com que o poeta mineiro trabalhou ao longo
de toda sua carreira: crítica social e política aliada à evocação nostálgica de
uma Minas Gerais que já não existia. Lira Itabirana é apenas um dos exemplos de
poemas nos quais Drummond refletia, entre melancólico e alarmado, com os
efeitos da mineração em seu
Estado natal. Qualquer deles, agora, poderia ser relembrado
com o mesmo caráter assombroso.
O maior trem do mundo
Leva minha terra
Para a Alemanha
Leva minha terra
Para o Canadá
Leva minha terra
Para o Japão
Leva minha terra
Para a Alemanha
Leva minha terra
Para o Canadá
Leva minha terra
Para o Japão
O maior trem do mundo
Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
Engatadas geminadas desembestadas
Leva meu tempo, minha infância, minha vida
Triturada em 163 vagões de minério e destruição
O maior trem do mundo
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano
Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
Engatadas geminadas desembestadas
Leva meu tempo, minha infância, minha vida
Triturada em 163 vagões de minério e destruição
O maior trem do mundo
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano
Lá vai o trem maior do mundo
Vai serpenteando, vai sumindo
E um dia, eu sei não voltará
Pois nem terra nem coração existem mais.
Vai serpenteando, vai sumindo
E um dia, eu sei não voltará
Pois nem terra nem coração existem mais.
De acordo com a pesquisadora Letícia
Malard, autora do livro No Vasto Mundo de
Drummond (Editora UFMG, 2005), a
"corrosão" é uma metáfora forte e recorrente na poesia de Drummond:
"uma corrosão no sentido literal, socioeconômico – a serra sendo corroída
pela retirada do minério – e uma corrosão metafórica – a alma corroída do
itabirano, uma vez que procura a 'sua' serra, a qual lhe parecia eterna, e não
mais a encontra."
Logo, a preocupação de Drummond com
os efeitos da mineração em sua região nada tinha de profética. E se agora ela
surpreende, é porque, infelizmente, ninguém estava prestando atenção.
*Zero Hora
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