terça-feira, 10 de novembro de 2015

E agora, José?

Carlos Drummond de Andrade


E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro, sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, pra onde?


Tema

"... E agora, José?"
Perguntou o Carlos Drummond.
E agora, José,                        
Responde depressa ao Carlos Drummond.
Responde, José; responde se és homem:
"... e agora?"

Anda:
Ele é teu mestre,
José;
Ele é teu amo,
José;
José;
Ele é teu pai.
Responde-lhe: "... e agora?

Pelo menos José do Carlos Drummond de Andrade
Informa, depois de pensar:
Quem é o culpado de eu não ser poeta?

O Carlos Drummond?
Meu pai?
Minha mãe?
Tu, José?
Será que tiraste toda a poesia
Que antes brotava,
Jorrava de mim?
Por que José?
Por quê?

José do Carlos Drummond:
Tu és um ladrão.
Roubaste a minha poesia.
Deixaste-me só.
Abandonado, nu.
Sem poesia, sem nada.

Torquato Neto, Bahia, 10/10/61

Paródia de "E agora, José?"

E agora, mané?
A água acabou,
O gelo derreteu
o povo morreu,
a noite congelou,
e agora, mané?
e agora, você?
você que é sem honra,
que zomba da vida
você que desmata,
que caça e trafica,
e agora, mané?

Está sem sua presa,
está sem comprador,
está sem dinheiro,
já não pode matar,
já não pode cortar,
vender já não pode,
a noite congelou,
o dia não veio,
a noite não veio,
a vida não veio,
não veio a sua grana
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo morreu,
e agora, mané?

E agora, mané?
Sua podre palavra,
seu instante de viagem,
sua caça e carniça,
sua estátua de marfim,
seu diamante de sangue,
seu casaco de pele,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a arma na mão
quer matar a caça,
não existe caça;
quer pescar predatoriamente,
mas o mar secou;
quer ir pra Suíça,
Suíça não há mais.
mané, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você fumasse
a erva amazonense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
é o seu castigo, mané!

Sozinho no escuro
Num mundo acabado,
sem civilização,
sem sofá felpudo
para se deitar,
sem Jaguar preto
que possa dirigir,
você vaga, mané!
mané, para onde?

Lucas Koehler




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