Nos pagos era só de que se falava.
Nas estâncias, nos galpões, nos ranchos e bolichos o assunto era o mesmo.
Comentava-se: viriam parelheiros de
capa e biqueira de outras zonas, muitos gaúchos forasteiros, e até do povo,
iria vir um mundaréu de gente. Como de fato aconteceu, já nas vésperas das
carreiras via-se grande movimento de gente a pé e a cavalo.
Fazendeiros que traziam seus
parelheiros acampavam distante da cancha, onde havia assado e reunião dos
amigos e parceiros. Ouviam-se trovas e toques de cordeona até alta madrugada.
De todos os lados chegavam carroças com quitandas. Um caminhão, com caixas de
bebidas e gelo, armava suas tendas e carpas onde se fariam jogatinas e vendas
de bebidas. Em carroças, já desprendidas dos animais, com toldos improvisados,
vendiam-se carne de gado, linguiças e leitão assado. Fritavam rosquinhas e
sonhos. Também havia talhadas de melancia e arroz doce. Guris, com balaios,
ofereciam pastéis e doces de leite e de queijo, cobertos com pano tão alvo e
engomado que atestavam o asseio e esmero empregado no preparo de tais
gulodices.
Gaúchos, montados em lindos cavalos,
bem encilhados, ostentavam suas vestes típicas: chapéu de abas largas com
barbicho trançado, pala à meia espalda, lenço atado nas pontas, faziam tinir as
rosetas de suas chilenas de comprido papagaio, escaramuçando seus pingos de
cola atada e laço a bate cola.
O policiamento era feito por um
subdelegado civil e vários soldados. Estes eram um misto de gaúcho e milico.
Usavam chapéus de abas largas e bombachas, porém vestiam túnica e talabarte
onde se viam penduradas as armas; um revólver e uma enorme espada metida em uma
larga bainha de metal branco, que arrastava ao solo quando desmontados.
Não dava peleia. O povo se
respeitava; salvo algum borracho que aparecia e era logo retirado do público.
Estas
reuniões de carreiras, jogatinas e cancha de osso duravam até 3 dias.
Corria-se carreira todas as tardes,
começavam a uma hora e prolongavam-se conforme o entusiasmo e parelheiro que
houvesse para correr. À noite, resumia-se em jogos de azar, organizados em
tabuleiros coloridos com números pintados, baralhos e dados, em mesas e bancos
compridos cobertos por toldos feitos de lona, encerados, como diziam os
gaúchos, e à luz de lampiões. Pelas manhãs havia um pouco de silêncio, pois os
que passavam a noite em claro dormiam estirados pelos matos em camas feitas com
arreios. Ali permaneciam até os raios do sol os obrigarem a procurar refúgio à
sombra.
Finda a reunião, começavam os
cochichos das comadres que, em surdina, divulgavam de rancho em rancho o que
haviam ouvido na intimidade. Casos como o de um gaúcho afamiliado, que vendeu
todo o milho ainda na lavoura antes da colheita para conseguir dinheiro para o
jogo.
De outro, que empenhava a única junta
de bois lavradores. Alguns venderam reses do gado manso, tudo sem o
consentimento ou conhecimento da patroa. Até revólver e laço haviam sido
empenhados ao bolicheiro. Mas apesar destes fatos causarem descontentamento e
privações a certos ranchos, os gaúchos guardavam inolvidável lembrança e
entusiasmo por aquelas alegres e festivas carreiras. Bons tempos eram aqueles!
(Do livro “Mala de
Garupa – Costumes Campeiros”,
de Raul Annes Gonçalves)
de Raul Annes Gonçalves)
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