(5 histórias plurianuais)
Luis Pimentel*
Foi assim
A mulher saiu para comprar pão. O
filho foi comprar seus cigarros. A empregada começou a preparar seu café. A
filha desceu para comprar o jornal. Tudo certinho, como em todos os domingos.
Tomou café fazendo estalinhos
irritantes com a ponta da língua, o que sempre fazia. Acendeu um cigarro e
começou a mastigar o palito de fósforos, aquele vício insuportável. Abriu o
jornal enviesado como de costume, começando logo aquela barulheira infernal de
páginas mal dobradas. Leu a primeira manchete, tossindo e escarrando no meio da
sala, o que ninguém suportava mais.
Depois fechou os olhos, de um suspiro
inoportuno e morreu ali mesmo, como todos desejavam há muito tempo.
*****
A Senhora
Que eu era isso, que eu era aquilo e
que tratasse logo de pagar a porra do aluguel do quartinho até logo mais, ela
disse. Assim mesmo: “a porra do aluguel”, com o dedinho gordo apontando para
mim. – Se não vai ter! – berrou, enquanto batia a porta da pocilga que chamava
de quarto e descia as escadas cuspindo escorpiões.
Foi tempo de eu pegar o porrete que
substituía a tranca e descer atrás, cuspindo fogo e ferro e uma mistura
infernal de sabores que me perseguiam há muito tempo.
Bastou uma
porretada certeira, bem na nuca, e o sangue mudou toda a pintura do corredor.
Miolo de velha rabugenta e pedaços de ossos grudaram no corrimão.
Uma festa de arromba como nos velhos
tempos, quando eu ainda arrombava mesmo e botava pra quebrar.
Bem que ela
avisou que ia ter.
*****
O primeiro tiro, na primeira viela da
subida do morro, acertou o elemento que corria desesperado, tudo indicando que
tinha culpa no cartório.
O responsável pela
operação policial explicou que nessa hora tem que atirar mesmo, até porque não
dá tempo de perguntar se o suspeito é ou deixa de ser inocente.
Só depois, dias depois, no decorrer
das investigações, descobriram que o elemento em questão e já enterrado não
passava de um molecote de 14 anos que correu porque se borrava de medo da
polícia.
O medo, vocês sabem, traz o desespero
e faz a gente correr mesmo. E que o moleque, soube-se depois também, era doente
mental e acordava gritando no meio da noite “são eles, são eles e vão nos
matar”.
Também puxava de uma perna, o
molecote, o que aumentava mais ainda a aflição na hora da correria.
Mas aí,
disse o sargento responsável pela operação, já era tarde.
*****
Aprontos
A mulher Irene da Silva disse que o
marido Aristides Silva, vulgo Trambolho, saiu aquela manhã de casa, na Favela
do Rato Molhado, chutando a alma da mãe e dizendo que ia descer o morro e
“aprontar um bocado”.
Quando vizinhos bateram na porta, no
finalzinho do dia, carregando o corpo de Trambolho todo crivado de balas, Irene
estranhou:
– Eu não
sabia que era esse o apronto a que o infeliz se referia.
*****
Inspiração
No caminho
mais escuro do parque de diversões:
– E depois
de conseguir o que quer, você casa comigo?
– Claro,
querida.
– Jura?
– Pela minha
mãe mortinha.
– Nem, assim
eu acredito. Jura mais.
– Quero que um carro me atropele. Que
eu fique todo desengonçado, que nem aquele sujeito ali.
Aleijadinho
que passa, vendendo laranja:
– Vai se
inspirar na mãe, tarado filho da puta!
**********
(Textos da Revista
“Bundas”, setembro de 1999)
*Luis Pimentel é escritor e jornalista,
nasceu em Feira de Santana, Bahia, em 1953,
e desde 1975 reside no Rio de Janeiro.
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