(Millôr Fernandes)
A baratinha velha subiu pelo pé do
copo quase cheio de vinho, que tinha sido largado a um canto da cozinha, desceu
pela parte de dentro e começou a lambiscar o vinho. Dada a pequena distância,
que nas baratas vai da boca ao cérebro, o álcool lhe subiu logo a este. Bêbada,
a baratinha caiu dentro do copo. Debateu-se, bebeu mais vinho, ficou mais
tonta, debateu-se mais, bebeu mais, tonteou mais e já quase morria quando
deparou com o carão do gato doméstico que sorria de sua aflição, no alto do
copo.
- Gatinho, meu gatinho –
pediu ela –, me salva, me salva. Me salva que assim que eu sair eu deixo você
me engolir inteirinha, como você gosta. Me salva!
- Você deixa mesmo eu
engolir você? – disse o gato.
- Me saaalva! – implorou a
baratinha. – Eu prometo.
O gato virou o copo com uma patada, o
líquido escorreu e com ele a baratinha que, assim que se viu no chão, saiu
correndo para o buraco mais perto, onde caiu na gargalhada.
- Que é isso? – perguntou o
gato. – Você não vai sair daí e cumprir sua promessa? Você disse que deixava eu
comer você inteira.
- Ah, ah, ah! – ria então a
barata, sem poder se conter. – E você é tão imbecil a ponto de acreditar na
promessa de uma barata velha e bêbada?
Moral: Às vezes a
autodepreciação nos livra do pelotão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário