A Queimada
Queime tudo o que puder:
as cartas de amor
as contas telefônicas
o rol de roupas sujas
as escrituras e certidões
as inconfidências dos confrades
ressentidos
a confissão interrompida
o poema erótico que ratifica a
impotência
e anuncia a arteriosclerose
os recortes antigos e as
fotografias amareladas.
Não deixe aos herdeiros
esfaimados
nenhuma herança de papel.
Seja como os lobos: more num
covil
e só mostre à canalha das ruas os
seus dentes afiados.
Viva e morra fechado como um
caracol.
Diga sempre não à escória
eletrônica.
Destrua os poemas inacabados, os
rascunhos,
as variantes e os fragmentos
que provocam o orgasmo tardio dos
filólogos e escoliastas.
Não deixe aos catadores do lixo
literário nenhuma migalha.
Não confie a ninguém o seu
segredo.
A verdade não pode ser dita.
Soneto da porta
Quem bate à minha porta não me busca.
Procura sempre aquele que não sou
e, vulto imóvel atrás de qualquer muro,
é meu sósia ou meu clone, em mim oculto.
Procura sempre aquele que não sou
e, vulto imóvel atrás de qualquer muro,
é meu sósia ou meu clone, em mim oculto.
Que saiba quem me busca e não me
encontra:
sou aquele que está além de mim,
sombra que bebe o sol, angra e laguna
unidos na quimera do horizonte.
sou aquele que está além de mim,
sombra que bebe o sol, angra e laguna
unidos na quimera do horizonte.
Sempre andei me buscando e não me
achei:
E ao pôr-do-sol, enquanto espero a vinda
da luz perdida de uma estrela morta,
E ao pôr-do-sol, enquanto espero a vinda
da luz perdida de uma estrela morta,
sinto saudades do que nunca fui,
do que deixei de ser, do que sonhei
e se escondeu de mim atrás da porta.
do que deixei de ser, do que sonhei
e se escondeu de mim atrás da porta.
O escritor Alagoano Lêdo Ivo morreu
aos 88 anos neste domingo (23 de dezembro de 2012), na cidade de Sevilha, na
Espanha, vítima de um infarto durante o almoço. O jornalista recebeu
atendimento médico, mas não resistiu até chegar ao hospital.
De acordo com a assessoria da
Academia Brasileira de Letras (ABL), o corpo do autor será cremado na Espanha e
posteriormente suas cinzas serão trazidas ao Brasil, onde ficarão no Mausoléu
da ABL, no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, ao lado de sua
mulher, Maria Leda Sarmento de Medeiros Ivo, falecida em 2004.
A Presidente da ABL, Acadêmica Ana
Maria Machado, determinou luto oficial por três dias e que a bandeira da ABL
fosse hasteada a meio mastro. A escritora também convocou uma sessão acadêmica
extraordinária para o dia 10 de janeiro.
Nascido em Maceió, no dia 18 de
fevereiro de 1924, Lêdo Ivo formou-se pela Faculdade Nacional de Direito da
Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1945 - mas nunca exerceu a
advocacia. Durante o período de estudo, colaborou com publicações literárias e
trabalhou na imprensa carioca como jornalista profissional.
Estreou na literatura em 1944 com o
livro de poesias "As Imaginações". Por seu primeiro trabalho como
romancista, "As Alianças", de 1947, recebeu o Prêmio de Romance da
Fundação Graça Aranha.
Como tradutor, Lêdo Ivo foi
responsável por adaptações das obras "A Abadia de Northanger", de
Jane Austin, "Uma Temporada no Inferno", de Jean-Artur Rimbaud, e
"O Adolescente", de Fiodor M. Dostoievski.
Entre seus principais trabalhos
destacam-se "Ode e Elegia" (1945), "A Cidade e os Dias"
(1957), "Ninho de Cobras" (1973), "O Canário Azul" (1990) e
"Plenilúnio" (2004). Sua última publicação foi a antologia "O
Vento do Mar", de 2010.
Quinto ocupante da cadeira nº 10 da
Academia Brasileira de Letras, Lêdo Ivo também atuou como jornalista e
tradutor. Em seu discurso de posse, de 7 de abril de 1987, o autor disse que a
imagem que fazia do fundador da cadeira, o escritor Rui Barbosa, era a do
exilado.
O escritor
deixa os três filhos: Patrícia, Maria da Graça e Gonçalo.
O Epitáfio de Ledo Ivo
Ledo Ivo: “Devo ter ido me despedir de um
amigo. Não fui para visitar o cemitério. O engraçado é que João Cabral escreveu
o meu epitáfio em versos que ele nunca incluiu em livro. O que João queria
era fazer um livro só de epitáfios de amigos. Terminou não fazendo.
João foi um grande amigo meu, mas
tínhamos temperamentos diferentes. Enquanto ele ia para um lugar, eu ia para
outro. Nunca nos encontramos - nem esteticamente. Dizia que eu falava muito;
achava que só a morte é que me reduziria ao silêncio.
O epitáfio
que João Cabral criou para mim é este:
“Aqui repousa
Livre de todas as palavras
Lêdo Ivo,
Poeta,
Na paz reencontrada
de antes de falar
E em silêncio, o silêncio
de quando as hélices
param no ar”
Livre de todas as palavras
Lêdo Ivo,
Poeta,
Na paz reencontrada
de antes de falar
E em silêncio, o silêncio
de quando as hélices
param no ar”
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