Loureço Diaféria
Os nvasores chegaram em avões,
ônbus, helcópteros e barcaças de varados fetos, e logo se puseram a dstrbur
subornos e badalações em seus crculos de nfluênca, de modo a conqustarem
posções e assm melhor poderem domnar.
Tudo desenvolva-se muto bem, a
não ser num ponto: hava um obstáculo que tnha forte poder aglutnador de
vontades e por sso ofereca séra resstênca aos nvasores: a lngua. Pos a lngua da
terra que os nvasores pretendam domnar tnha uma letra fna e baxa, e essa letra
dava sonordade a tudo, transformava as palavras em músca, lgava os sons,
amacava a fala, era uma espéce de vsgo entre as demas letras do alfabeto, ao
todo vnte e quatro.
E os nvasores já não sabam mas
o que fazer para calar a lngua do povo,
que até então de entenda às ml maravlhas, tanto que sempre que ele, o povo que
estava sendo subjugado, tnha dúvdas entre s, usava uma expressão muto em voga,
que era justamente “botar os pngos nos s”.
E tal stuação dexava os nvasores com
a cabeça quente, pos enquanto exstsse aquela letra no alfabeto eles jamas
conseguram reter em suas mãos todas as rédeas do poder. Portanto os nvasores
pensavam e repensavam numa manera adequada de soluconar o problema, dado que
sem a tal letra a lngua se tornava confusa – e quanto mas confusão tanto melhor
para domnar – mas ao mesmo tempo o som da letrnha era ndspensável; por sso os
nvasores optaram por substtur o tracnho fno e pontudo por ume espéce de
forqulha, desenhada assm: y.
Mas o povoado nvaddo
rebelou-se na medda do possvel e contnuava a usar a letra muda, só por desfeta
e prraça. Era uma forma de protesto e
também uma necessdade de expressão.
Até que os nvasores perderam a
pacênca e mundos de borracha e esponja puseram-se a caçar e a apagar todas as
letrnhas que tnham o pngo em cma; e fo um enorme tumulto geral, pos nnguém
entenda mas nada, embora uns logo aderssem ao y para não crar atrtos e para não
ver prejudcados seus ynteresses.
Por fm, restou apenas um pequeno
grupo que nssta em usar a letra probda, sem a qual não se podam sequer escrever
algumas palavras fundamentas, que as pessoas costumavam trazer na ponta da
lngua, palavras essas como lberdade e ndependênca – e mesmo outras palavras mas
sngelas, como pa, flho, rmão, amgo. E sem a letrnha não se poda também escrever
hstóra completamente, fcando tudo pela metade, partdo, quebrado, estranho e
nacabado.
Os revsores de jornal, esses
então se punham dodos, e mutos abandonavam a carrera por não suportarem a déa
de ter de corrgr para o resto da vda textos sem a ndspensável letra – rsco e
pngo – tão smples e ao mesmo tempo tão necessára e mportante.
Os dos ou três caras que resolveram
pegar o pão na unha e lutar até as ultmas consequêncas contra a nvasão acabaram
entrando bem. O que podam fazer dos ou três caras dante da ndferença geral? Os
nvasores chegaram com suas forças e seus argumentos, ou até sem argumentos, só
com as forças, chegaram com suas palavras própras e seus nstrumentos de
pressão, cercaram o edfco e ordenaram que todos os resstentes entregassem os s
que tvessem em seu poder.
A
propósto, os nvasores acabam de sar daqu.
Claro que protestamos. Acontece
que eles mandaram a gente calar o bco e encurtar a lngua.
Chegaram grytando e deyxaram doys dos nossos estendydos no chão.
*****
Lourenço Diaféria –
Folha de São Paulo, 14.01.1977
Lourenço Carlos Diaféria (São Paulo, 28 de agosto
de 1933
— São Paulo, 16 de
setembro de 2008) é um contista,
cronista
e jornalista
brasileiro.
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