quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Na terra da letra morta

Loureço Diaféria


Os nvasores chegaram em avões, ônbus, helcópteros e barcaças de varados fetos, e logo se puseram a dstrbur subornos e badalações em seus crculos de nfluênca, de modo a conqustarem posções e assm melhor poderem domnar.

Tudo desenvolva-se muto bem, a não ser num ponto: hava um obstáculo que tnha forte poder aglutnador de vontades e por sso ofereca séra resstênca aos nvasores: a lngua. Pos a lngua da terra que os nvasores pretendam domnar tnha uma letra fna e baxa, e essa letra dava sonordade a tudo, transformava as palavras em músca, lgava os sons, amacava a fala, era uma espéce de vsgo entre as demas letras do alfabeto, ao todo vnte e quatro.

E os nvasores já não sabam mas o que fazer para calar a  lngua do povo, que até então de entenda às ml maravlhas, tanto que sempre que ele, o povo que estava sendo subjugado, tnha dúvdas entre s, usava uma expressão muto em voga, que era justamente “botar os pngos nos s”.

E tal stuação dexava os nvasores com a cabeça quente, pos enquanto exstsse aquela letra no alfabeto eles jamas conseguram reter em suas mãos todas as rédeas do poder. Portanto os nvasores pensavam e repensavam numa manera adequada de soluconar o problema, dado que sem a tal letra a lngua se tornava confusa – e quanto mas confusão tanto melhor para domnar – mas ao mesmo tempo o som da letrnha era ndspensável; por sso os nvasores optaram por substtur o tracnho fno e pontudo por ume espéce de forqulha, desenhada assm: y.

Mas o povoado nvaddo rebelou-se na medda do possvel e contnuava a usar a letra muda, só por desfeta e prraça.  Era uma forma de protesto e também uma necessdade de expressão.

Até que os nvasores perderam a pacênca e mundos de borracha e esponja puseram-se a caçar e a apagar todas as letrnhas que tnham o pngo em cma; e fo um enorme tumulto geral, pos nnguém entenda mas nada, embora uns logo aderssem ao y para não crar atrtos e para não ver prejudcados seus ynteresses.

Por fm, restou apenas um pequeno grupo que nssta em usar a letra probda, sem a qual não se podam sequer escrever algumas palavras fundamentas, que as pessoas costumavam trazer na ponta da lngua, palavras essas como lberdade e ndependênca – e mesmo outras palavras mas sngelas, como pa, flho, rmão, amgo. E sem a letrnha não se poda também escrever hstóra completamente, fcando tudo pela metade, partdo, quebrado, estranho e nacabado.

Os revsores de jornal, esses então se punham dodos, e mutos abandonavam a carrera por não suportarem a déa de ter de corrgr para o resto da vda textos sem a ndspensável letra – rsco e pngo – tão smples e ao mesmo tempo tão necessára e mportante.

Os dos ou três caras que resolveram pegar o pão na unha e lutar até as ultmas consequêncas contra a nvasão acabaram entrando bem. O que podam fazer dos ou três caras dante da ndferença geral? Os nvasores chegaram com suas forças e seus argumentos, ou até sem argumentos, só com as forças, chegaram com suas palavras própras e seus nstrumentos de pressão, cercaram o edfco e ordenaram que todos os resstentes entregassem os s que tvessem em seu poder.

A propósto, os nvasores acabam de sar daqu.

Claro que protestamos. Acontece que eles mandaram a gente calar o bco e encurtar a lngua.

Chegaram grytando e deyxaram doys dos nossos estendydos no chão.

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Lourenço Diaféria – Folha de São Paulo, 14.01.1977


Lourenço Carlos Diaféria (São Paulo, 28 de agosto de 1933São Paulo, 16 de setembro de 2008) é um contista, cronista e jornalista brasileiro.


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