domingo, 16 de agosto de 2015

Citações históricas


“É impossível, Majestade, ainda há juízes em Berlim.”




Frederico II, rei da Prússia, após haver terminado seu palácio de Sans Souri, notou que um moinho das vizinhanças não conduzia com a magnificência do palácio, propôs ao proprietário comprá-lo, mas o oleiro se negou a vendê-lo, estribando-se em razões sentimentais. O rei ameaçou-o, então de lho tomar à força, ouvindo, porém a ousada resposta, a qual nos dá bem ideia da alta conta em que era tida a justiça berlinense.

Crônica

Ainda há juízes no Brasil

O lugar de um cidadão, seja ele moleiro, seja senador, é definido em lei – não diante das câmeras.

Em 1745, o todo-poderoso Frederico II, rei da Prússia, manda construir, em Potsdam, nos arredores de Berlim, o famoso castelo de Sans-Souci, que ficaria pronto dois anos depois. Déspota esclarecido, amigo de escritores e artistas, exerce atração sobre sábios de várias nacionalidades, especialmente franceses. Voltaire é um dos que frequentam sua residência.

Um de seus áulicos, porém, mais arbitrário que o governante a quem serve, ainda que sem as mesmas luzes, quer espantar para longe da vizinhança um modesto moleiro para que o pequeno empresário e seu moinho não ofendam a bela paisagem que cerca a construção. O intendente tem a seu favor a lei informal, jamais promulgada, mas vigente em tais circunstâncias, que o político brasileiro Pedro Aleixo tanto temeu quando ousou imaginar o que faria com todos os poderes do Ato Institucional n° 5, não o ditador ou seus ministros, mas o guarda da esquina.

Parodiando Camões, nessas horas uma nuvem que os ares escurece/sobre nossas cabeças aparece. E tão temerosa vinha e carregada/que pôs nos corações um grande medo. Dando a entender que fala em nome do rei, a autoridade vai fazendo propostas em cima de propostas para que o moleiro se mude dali, ensejando assim a destruição do moinho. Nenhuma delas surte o efeito desejado.

O intendente passa, então, às ameaças, que, entretanto, não assustam o proprietário cioso de seus direitos. A querela chega aos ouvidos de Frederico II e o monarca resolve conversar com aquele homem que lhe parece tão corajoso. Pergunta-lhe qual o motivo de ele não ter medo de ninguém, nem do rei. A resposta do moleiro foi resumida em frase que se tornou célebre, depois frequentemente invocada em situações em que o Judiciário é chamado a limitar o poder dos governantes: “Ainda há juízes em Berlim”. Ele lutaria contra o rei na Justiça.

O moleiro continuou onde estava. O episódio passou à posteridade na versão do escritor francês François Andrieux, que escreveu em versos o conto “O Moleiro de Sans-Souci”, ainda que tenha concluído com melancolia: Respeita-se um moinho, mas rouba-se uma província.

Pois, no Brasil, nos tempos que vivemos, algumas frases também haverão de se tornar célebres, resumindo momentos decisivos de nossa crônica política. “Confesso que menti”, do senador José Roberto Arruda, pode vir a ser uma delas. O senador poderia, quem sabe, escrever um livro cujo título seria essa sua frase, na linha de Confesso Que Vivi, de Pablo Neruda. Regina Borges, a ex-diretora do Prodasen, escreveria outro: “Confesso que obedeci”. Falta, porém, o livro de ninguém menos que o ex-presidente do Senado Antonio Carlos Magalhães, de quem seus inquisidores esperam que pronuncie a frase “Confesso que mandei”. Por enquanto, ele, exagerado em tudo, já pronunciou outra frase famosa: “Eu tenho a lista”. Depois negou e mudou-a para “Eu vi, mas rasguei a lista”.

No Congresso já foram cometidas injustiças que demoraram ou não puderam mais ser reparadas. No Judiciário é mais difícil ocorrer isso. Pode ser que culpados não sejam punidos, mas é quase impossível punir um inocente. Seria melhor que voltássemos ao óbvio: o lugar de julgar um cidadão, seja ele moleiro, seja senador, é definido em lei. E não é diante das câmeras. Pois ainda há juízes no Brasil.


Deonísio da Silva é escritor e professor universitário





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