Na
Paraíba, alguns elementos que faziam uma serena foram presos. Embora liberados
no dia seguinte, o violão foi detido. Tomando conhecimento do acontecido. o
famoso poeta e atual senador Ronaldo Cunha Lima enviou uma petição ao Juiz da
Comarca, em versos, solicitando a liberação do instrumento musical.
Senhor Juiz.
Roberto Pessoa de Sousa
O
instrumento do “crime” que se arrola
Nesse
processo de contravenção
Não
é faca, revolver ou pistola,
Simplesmente,
Doutor, é um violão.
Um violão, doutor, queem
verdade
Não feriu nem matou um cidadão
Um violão, doutor, que
Feriu,
sim, mas a sensibilidade
De
quem o ouviu vibrar na solidão.
O
violão é sempre uma ternura,
Instrumento
de amor e de saudade
O
crime a ele nunca se mistura
Entre
ambos inexiste afinidade.
O
violão é próprio dos cantores
Dos
menestréis de alma enternecida
Que
cantam mágoas que povoam a vida
E
sufocam as suas próprias dores.
O
violão é música e é canção
É
sentimento, é vida, é alegria
É
pureza e é néctar que extasia
É
adorno espiritual do coração.
Seu
viver, como o nosso, é transitório.
Mas
seu destino, não, se perpetua.
Ele
nasceu para cantar na rua
E
não para ser arquivo de Cartório.
Ele,
Doutor, que suave lenitivo
Para
a alma da noite em solidão,
Não
se adapta, jamais, em um arquivo
Sem
gemer sua prima e seu bordão
Mande
entregá-lo, pelo amor da noite
Que
se sente vazia em suas horas,
Para
que volte a sentir o terno acoite
De
suas cordas finas e sonoras.
Liberte
o violão, Doutor Juiz,
Em
nome da Justiça e do Direito.
É
crime, porventura, o infeliz
Cantar
as mágoas que lhe enchem o peito?
Será
crime, afinal, será pecado,
Será
delito de tão vis horrores,
Perambular
na rua um desgraçado
Derramando
nas praças suas dores?
Mande,
pois, libertá-lo da agonia
(a
consciência assim nos insinua)
Não
sufoque o cantar que vem da rua,
Que
vem da noite para saudar o dia.
É
o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na
certeza do seu acolhimento
Juntada
desta aos autos nós pedimos
E
pedimos, enfim, deferimento.
O
juiz Roberto Pessoa de Sousa, por sua vez, despachou utilizando a mesma
linguagem do poeta Ronaldo Cunha Lima: o verso popular.
Recebo
a petição escrita em
verso
Verbero
o ato vil, rude e perverso,
Que
prende, no Cartório, um violão.
Emudecer
a prima e o bordão,
Nos
confins de um arquivo, em sombra imerso,
É
desumana e vil destruição
De
tudo que há de belo no universo.
Que
seja Sol, ainda que a desoras,
E
volte á rua, em vida transviada,
Num
esbanjar de lágrimas sonoras.
Se
grato for, acaso ao que lhe fiz,
Noite
de luz, plena madrugada,
Venha
tocar á porta do Juiz.
Caricatura de J. Carlos
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