Uma história incrível que dizem ser verdadeira.
O mudinho paraquedista
Nos anos cinquenta, havia, nas
imediações da Área de Estágio, um surdo-mudo que era o maior quebra-galho dos
paraquedistas. Com altura mediana, magro, mas muito forte, aparentava ter, na
época do fato que vou narrar, mais ou menos vinte anos. Era um tremendo
vibrador com coisas relacionadas ao paraquedismo.
Ele, constantemente, desafiava os
pqdts para uma sessão de flexões, cangurus, pulos-de-galo ou polichinelos, e
quase sempre ganhava. Quando tinham que testar algum equipamento da Área, o
comandante dava a ordem: “Chama o mudinho!” Ele, para testar o cabo de aço da
torre, saltava com o maior entusiasmo; testava o balanço, testava a potência do
motor que arrastava os pqdts no chão ao serem arrastados numa ventania. Fazia
tudo com o maior prazer e não tinha medo de nada. Se fosse normal, com certeza,
seria um dos melhores paraquedistas do Exército Brasileiro.
Segundo contam os mais velhos, ele,
geralmente, engraxava os butes dos oficiais, ia ao bar buscar refrigerantes ou
água para os sargentos e soldados. Fazia tudo por qualquer gorjeta. Dava-se com
todos, sorria para todos. Estava sempre de bem com a vida.
Um dia, um tenente falou: “Vamos fazer o
mudinho saltar de uma aeronave.” Para um civil meio maluco-beleza e ainda
surdo-mudo era uma temeridade. Mas todos concordaram que seria uma tremenda
homenagem a um grande vibrador. Arranjaram um fardamento, equiparam o mudinho e
foram para o Campo do Afonsos. Os pilotos nem desconfiaram que havia um
deficiente físico num avião militar. E o mudinho saltou com maior entusiasmo.
Imaginem vocês, o mudinho, ao chegar à sua casa, no subúrbio onde morava, e
“contar”, na linguagem dos mudos, a sua façanha aos seus familiares e amigos.
Devem ter internado o mudinho.
Os personagens desta história nunca
vão assumir que ela tenha realmente acontecido. Ela é contada à boca pequena nas
reuniões dos veteranos paraquedistas. Alguns sabem até o nome do autor da
façanha, mas é segredo militar. Aqui a contamos pela primeira vez, para mostrar
a mística que envolve a nossa corporação, que vê em um ser humano, mesmo sendo
ele um deficiente, as qualidades inerentes de um vibrador que amava,
infantilmente, tudo relacionado à nossa Brigada de Infantaria Paraquedista.
Se vocês ficaram impressionados com
esta narrativa, não a levem muito a sério; ela pode ser, apenas, mais uma
história de paraquedistas...
Adendos:
Eu conheci o Mudinho e sei até o nome
do tenente que o fez saltar, parece que era Fonseca. Ele batia no peito,
desafiando um pqdt, e mostrava qual exercício que queria disputar com ele, e
sempre ganhava o desafio.
Casemiro Scepaniuk
* * * * *
Nobre companheiro Paraquedista!
Bom dia:
De forma considerável é este seu
amigo uma testemunha ocular no que diz respeito ao personagem descrito em seu
belo texto. Vivi nas épocas – foram duas, décadas de 50 e 70 – depois de
considerável período na primeira, ele simplesmente desapareceu, voltando bem
mais tarde, na década referida, de forma surpreendente.
Na verdade, suas atuações dizem respeito,
fundamentalmente ao exercício da atividade de engraxate. Exatamente magro não era, mas se
confirma seu bom porte físico e músculos pronunciados, aprimorados em
continuadas sessões de aparelhos de ginástica. É preciso, contudo, que se tenha
cautela quanto à afirmativa que ele teria sido fardado e levado a saltar de
paraquedas. Vivi mais de vinte anos no âmbito da Brigada e jamais ouvi
qualquer alusão a esse fato. Não obstante, para uma confirmação mais
definitiva, irei conversar com veteranos como este seu amigo e depois retomarei
o assunto.
Afirmo, não obstante, que ao lado de
outros detalhes mencionados em seu texto, o que está definitivamente
confirmado, além da atividade de engraxate já referida, suas motivações pela
aparência física, que procurava sempre demonstrar de forma ostensiva e
orgulhosa, era, possivelmente os saltos da torre e o desafio para as corridas.
Complemento com o que faltou! Embora
não se confirme, alguns dizem que se chamava Humberto.
Cap. Domingos Gonçalves
– Rio de Janeiro
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Rio, 17
Abril 2007
Caro
Fagundes
O personagem ao qual se refere o
texto existiu de fato, nos idos de 1957, ano de minha incorporação já o
encontrei lá. Não me recordo o nome dele. Para nós ele era o “mudinho”, até
porque ele não gostava e reagia. Vivia entre a Colina e o QG, mas só gostava de
engraxar os boots dos oficiais. É verdade que, por graça, por vezes o
uniformizavam. Mas nunca como na charge exibida abaixo porque naquela época
boina não existia ainda.
A boina surgiu, anos mais tarde, em
um 7 de setembro, quando no trajeto final para o desfile, trocamos o fibra
preto que era o usual pela boina que trazíamos escondida sob o dolmam (época,
hein, já vai longe). Na véspera corria um zunzum que algo iria acontecer por
ocasião do desfile e toda a tropa da Colina, na época GUA ou GUD, não me
recordo bem, fomos todos ameaçados de prisão. O Cel Cmt era f..., reuniu o
grupamento, todos concordaram, e fomos à luta. Deu-se a implantação da boina
vermelha, que uns dizem ser bordô.
Mas quanto ao mudinho saltar de uma
aeronave, aí é forte demais. Nunca foi do meu conhecimento. Da torre sim.
Saltou várias vezes. Era diversão!
Agradeço a oportunidade
de me proporcionar o prazer de boas
recordações.
Abraços, Ivan
da Cunha Reis – Pqdt 3301 – 1957/5
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Nilo:
Realmente é muito legal e intrigante
esta história do mudinho. Veja bem, eu soube em primeira mão disso, quando
conversando com o nosso Cel. Cláudio Neto Di Primio, sobre a “Operação último
voo da águia”, que é o nome batizado por mim, para o translado e posterior
cumprimento do último desejo do Pqdt 7717, Lima Vieira , de após a
cremação do seu corpo, que suas cinzas fossem levadas para o Rio de Janeiro e
jogadas por uma aeronave em cima das dependências da Brigada Paraquedista.
O Di Primio, que estava em contato
com o Coronel Gobatto, que é da Casa Militar em Brasília e que havia trabalhado
com o Lima Vieira
na presidência, para tentar facilitar a operação, quando ele veio com esta
pérola:
-
Freire, esta operação deve ser feita como o salto do mudinho, no mais absoluto
sigilo.
Como ele viu que eu nem sabia de quem
se tratava, ele fez o devido relato do assunto, e é claro que poucas pessoas
tiveram acesso a tal informação.
Mas, para finalizar, sugiro que no
final do teu relato, mantenhas o mistério. Talvez o Gonçalves consiga com outro
companheiro o nome correto deste “desconhecido e pitoresco herói semiparaquedista”.
* * * * *
Prezado
Fagundes:
A história é verdadeira! Eu conheci o
mudinho. Nunca soube o nome dele e nunca vi ou ouvi alguém conhecê-lo pelo nome
(mesmo porque, obviamente – não iria surtir efeito). Na verdade, ele “malhava”,
e muito (o dia inteiro), naquele galpão que existia em frente ao avião, perto
da torre velha. Lá havia uma espécie de ginásio (tinha cama elástica, paralela
e muitos pesos e barras para prática de halterofilismo). Num de repente, o mudo
sumiu de circulação. Voltou magro e dizia ter estado muito doente. Depois disso
nunca mais soube dele. Quem conheceu o mudo: Luiz Gonçalves Correa (Luiz
Mochila). O Luiz era da equipe de cama elástica/paralela/argola e outras
modalidades existentes, também, no referido galpão. Outros... Itacolomi; Eneas;
Aluízio; Gomes (carpinteiro); Bomfim (carpinteiro) e todos que estiveram na
Colina Longa pelos anos de sessenta... e tal. O mudo foi lançado e se orgulhava
muito. Usava boot marrom e calça de salto. Bons tempos. Sinto muitas saudades
daqueles amigos (muitos já nos deixaram... mas ficou a lembrança de grandes
amizades). É bom lembrar que o Mudo era pessoa de fino trato. Educado,
respeitador e sempre com um sorriso acompanhados dos sons característicos de
quem não fala. Quem teve o prazer de conhecê-lo sabe que não são elogios
mentirosos.
Abraços. Xavier. Até mais
* * * * *
Assunto: O
Mudo
Prezado Paulo Fagundes.
Realmente quem serviu naquela época
(1963) sabe da existência do mudo. Ele era moreno, baixo, normalmente andava com a camisa aberta e, se
não me engano, usava bute marrom. A história de que algum oficial o botou para
saltar talvez seja invenção, mas que ele existiu, existiu. Só não sei que fim
ele levou.
Um abraço.
Sergio de
Oliveira Mattos, Pqdt 10919 – 1963/9
* * * * *
Uma lenda, um folclore, sem história?
Fagundes, eu vivi e convivi com o nosso inesquecível Mudinho. Gostei da imaginação
do autor anônimo da história. Como dizia um antigo político mineiro: O que vale
é a versão e não a história.
Valeu!
Ly Adorno –
Pqdt 503 – 1951/3
* * * * *
Caro Paulo
Cezar:
Em fevereiro de 1955, quando incorporei
na Art Pqdt, na Colina Longa – o último prédio, lá estava o mudinho; na ocasião
ele era engraxate, fazia mandados, fazia educação física conosco (e que preparo
físico), jogava dupla de vôlei bem e estava em todas as peladas, entrava sempre
em forma com a Bia
Cmdo Sv sob o Cmdo do Cap. Vieira, que mais tarde, devido a um acidente, passou
a chamar-se Pé-de-Chumbo, fazia as refeições com todos nós cabos e soldados.
Durante um bom tempo, tivemos o dia a dia com ele, mais ou menos até o ano de
1957. Na ocasião ele tinha cama e mesa proporcionada pelo quartel.
Financeiramente, vivia dos engraxates e por contribuição de todos nós, que no
dia do pagamento cada um dava um valor, inclusive oficiais e sargentos.
Ele era muito querido por todos e era
o quindim do Cel Ascendino, Cmt do Grupo de Artilharia. Vou ver se consigo com
o pessoal da época os dados pedidos pelo amigo, assim que souber de alguma
coisa, envio-lhe.
Na mesma ocasião, havia um garoto que
vendia doces (sonhos) na área do Grupo, lá na Colina Longa, que também, apesar
de residir em
Magalhães Bastos , após vender os sonhos, permanecia o dia
todo nas dependências do Grupo – tomava parte e assistia às instruções como se
soldado fosse; não me lembro o nome dele. Só me lembro que, por jogar futebol
de campo muito bem, o Cap. Art Soares levou-o para o Flamengo; se
profissionalizou e, durante uns três anos, fez sucesso como centroavante
titular do Flamengo. Mesmo com o sucesso, sempre que tinha uma folga, aparecia
no Grupo de Artilharia.
Abraços,
Edgard
Cordeiro, Pqdt 1709 – 1955/2
* * * * *
O Mudinho morava na Colina Longa
e o nome dele era Arnaldo. Ele construiu uma academia de musculação lá no salão
de ginástica, que ficava ao lado do rancho. Eu, inclusive, malhava com ele.
Cheguei a ser Mister Pernambuco, em 1968, e Mister Brasil, em 1978.
Ele era muito forte e musculoso,
morava e era arranchado na Colina Longa, até que um General Comandante do
Núcleo da Divisão Aeroterrestre o mandou embora.
Resail Carmelo Alves
de Castro, Pqdt 5621 – 1959/3
Epílogo do Mudinho da Colina
Sim, esta história é verdadeira. Ela
se passou há mais 70 anos. As testemunhas, que foram poucas, sabiam que ela
nunca poderia ser contada, mas um coronel contou para um pqdt, que contou a outro e
ela chegou até a mim (?). Num dia da semana, num único avião colocaram o Mudinho numa aeronave e fizeram um único pedido a ele: “Você entra mudo e sai calado”.
Dizem quem escreveu esta narrativa
foi o... , mas isso é outro grande mistério...
VIM DO RECIFE NO NÁVIO DE GUERRA ARI PARREIRAS, COM OS CONSCRITOS DO RECIFE, FORTALEZA E DE SALVADOR, CHEGANDO NO RIO NO DIA 24 DE DE DEZEMBRO DE 1958, E FICAMOS ALOJADOS NA CIA DE ENGENHARIA, E FOI ENTÃO QUE CONHECI O MUDINHO, FICANDO NA COLINA LONGA ATÉ O DIA DA INCORPORAÇÃO QUE FOI NO DIA 20 DE JANEIRO DE 1959. E NESTE PERÍODO QUE FIQUEI NA CIA DE ENGENHARIA, FIZ AMIZADE COM O MUDINHO, E COMO EU ERA HALTEROFILISTA, E O MUDINHO QUE SE CHAMAVA ARNALDO TAMBÉM GOSTAVA DE MALHAR, FOMOS ENTÃO COMPANHEIROS DE TREINOS, LÁ NUMA SALA ONDE TINHA CAMAS ELÁSTICAS, O MUDINHO LÁ COLOCOU UNS PESOS, BARRAS E HALTERES E BANCOS, E ME ACOMPANHAVA NAS SÉRIES, PORQUE LÁ EM RECIFE EU TINHA UMA ACADEMIA E TINHA EXPERIENCIA, DAÍ NOS TORNAMOS MUITO AMIGOS. COMO INCORPOREI NO BATALHÃO SANTOS DUMONT NA CIA DE PETRECHOS PESADOS, A NOSSA AMIZADE TEVE QUE SER AFASTADA. AGORA PARA ENCERRAR, ELE REALMENTE ERA UM GRANDE ATLETA E MUITO FORTE E MUSCULOSO.
ResponderExcluirObrigado pelo comentário, amigo Carmelo de Castro, você foi protagonista dessa incrível história, pois malhou e conviveu com o famoso Mudinho Paraquedista.
ResponderExcluirTambém conheci o Mudinho, embora tenha servido somente no Regimento Santos Dumont, mas as passagens que fiz pela Colina, cheguei a ver e sabia quem era. Isso foi por volta de 1965 até 1972, foi o tempo em que permaneci na Bda.
ResponderExcluirAmigo Stron, que prazer ver um comentário teu no nosso modesto Almanaque Cultural Brasileiro. Tu és um dos pqdts mais criativos da Brigada de Infantaria Paraquedista, e eu tenho orgulho de tê-lo como um dos mais diletos amigos. Valeu, meu irmão!
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