domingo, 26 de outubro de 2014

Quatro sonetos

Saudade

Olegário Mariano

Saudade! Dor silenciosa! Trama
Intangível que o destino tece...
Sombra de dor nos olhos de quem ama,
Voz da garganta de quem não esquece.

Saudade! Mãos em cruz, lábios em prece,
Choro do extinto amor e extinta flama,
Lua de baladas que o céu derrama
Luz que desperta e sonho que adormece.

Cair lento de pálpebra... Grande ânsia
De almas unidas pelo mesmo fado.
Oh! Saudade fiandeira das distâncias!...

Por ti és todo o bem que extasia,
Quisera ter das vezes que hei chorando
A milésima parte em alegria.

Assim seja

Alceu Wamosy

Sonhei o nosso amor num sonho de criança
Com o cérebro a escaldar em febre de loucura
Tu sonhaste-o também na tua alma ingênua e pura
Com um sonho feliz de paz e de bonança.

Na rede astral de luz dessa visão futura
Abençoado porvir, florido de esperança
Ele dorme, a sorrir, de alma serena e mansa,
Como dormem de noite os astros pela altura!

Que nosso santo ideal, o nosso ideal risonho
Seja a existência inteira em nossos corações,
Leve, doce, sutil eternamente sonho...

E que nunca o punhal das realidades frias
Assassine a menor das nossas ilusões,
E mate uma sequer das nossas fantasias...

Soneto

Guilherme de Almeida

Ela veio bater à minha porta
E falou-me, a sorrir, subindo a escada,
Bom-dia, árvore velha e desfolhada,
E eu respondi: - Bom-dia, folha morta.

Entrou. E nunca mais me disse nada
Até que um dia (quando não importa),
Houve canções na ramaria torta
E houve bando de noivos pela estrada.

Então me chamou e disse: vou-me embora.
Sou a felicidade. Vivo agora
Da lembrança do muito que te fiz.

Foi assim que em plena primavera
Só quando ela partiu contou quem era
E nunca mais eu me senti feliz.

Sonho dourado

Aporelly

Se eu fosse rico, casaria contigo...
Na certa, que a proposta aceitarias.
E te juro que em mim encontrarias
Marido fiel e dedicado amigo.

Depois, juntos iríamos viajar
Não na Europa, porque tu lá não me vias,
Mas podíamos fazer todos os dias
Uma volta no bonde Circular.

O mundo todo morreria de inveja
Sozinhos ficaríamos na vida...
Passeando sempre de vestidos novos,

Mas eu sou pobre qual ratão de igreja...
Consola-te comigo; pois, querida,
O homem põe, e o diabo come os ovos.


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