Damaso Viegas Nóbrega
Naquela manhã uma cerração mais
densa que a das chaminés das fábricas turvou a cidade. E de repente todo mundo
esqueceu as palavras.
Poucos conseguiram chegar ao
trabalho. Já não entendiam os letreiros dos ônibus e tomavam o bonde errado.
Quem alcançava a pé os altíssimos edifícios dos escritórios tinha que subir
pelas escadas porque os elevadores estavam parados. Ninguém mais sabia contar,
nem ler os números dos andares para manejar o painel de controle.
Nos Correios e Telégrafos só as
traças remetiam telegramas secretos dentro dos arquivos. Todos os telefones do
mundo monologavam em seus cabides
Naquele dia os restaurantes não
funcionaram. Os mestres-cucas, envergonhados, sem o auxílio dos tratados de
culinária, pareciam mocinhas escriturarias recém-casadas à beira do fogão.
Mal-e-mal sabiam cozinhar feijão e arroz.
Nos hospitais os doentes morriam mais
do que sempre. As enfermeiras não compreendiam as prescrições dos médicos e os
pacientes pararam de tomar os remédios. Raros médicos aparecidos, agora
analfabetos, já não sabiam receitar.
Por força do hábito, estudantes foram
às escolas e professores também. Pelo costume, os professores tentavam falar, e
os alunos entender. Mas a única aula que saiu foi de onomatopeias. Tudo os
dedicados mestres tentavam. Dona Trofozilda, catedrática em gramática,
crocitava solenemente, A professora de Canto Orfeônico gorjeava em cima do
piano. O diretor da escola relinchava no gabinete, e o fiscal de alunos ladrava
pelos corredores.
Nas ruas o caos era total. Os
motoristas choravam de raiva. Não, não era por causa do trânsito, que esse
estava igual a todos os dias. É que haviam esquecidos todos os palavrões e não
tinham como xingar-se uns aos outros. Alguns até consultavam dicionários de
bolso na ânsia de comunicar-se. Porém, não sabiam mais ler e, mesmo que ainda
soubessem, não ia adiantar, pois dicionários não registram “nomes feios”.
O pior foi à noite. Uma tristeza
amarga invadiu todos os lares. Porque não podiam conversar? Não, por isso não,
já que há muito tempo os familiares não conversavam mesmo; Acontece que a
televisão não funcionou. Não havia scripts e, ainda que houvesse, ninguém poderia
lê-los, visto que desaprenderam. Sem a telenovela, mamãe não conseguia
emocionar-se e olhava indiferentemente para papai. Sem os programas de humor,
não tinham por que rir e, quando não riam, estavam sempre tristes.
Aquela névoa antilinguagem envolveu
todo o planeta. Em poucas semanas a civilização evaporou-se. Tudo virou de
pernas para o ar. Não havia mais cavalheiros e damas – só homens e mulheres. Logo os homens começaram a
trepar em árvores e as mulheres deixaram de pintar os olhos e usar perucas.
Então os marcianos desceram.
Observaram satisfeitos o resultado de sua fumacinha e disseram:
− Agora o planeta é nosso! Antes de um
milhão de anos, esta macacada não faz bomba atômica outra vez.
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