Luís Fernando Veríssimo
Você eu não sei, mas eu estou
preocupadíssimo com a revelação de que os americanos têm monitorado tudo que é
dito e escrito no Brasil nos últimos anos. Ouvem nossos telefonemas, leem nossos
e-mails e provavelmente examinam o nosso lixo, atrás de indícios da nossa
periculosidade.
O que me preocupa é que esta
informação, depois de coletada e classificada, é analisada talvez pelas mesmas
pessoas que nunca duvidaram que o Saddam Hussein tivesse armas de destruição em
massa e nunca estranharam que os sequestradores daqueles aviões que derrubaram
as torres, no onze de nove, não se interessassem pelas aulas de aterrissagem
nos seus cursos de aviação.
Quer dizer, que garantia nós temos
que não se enganarão de novo, e verão ameaças à segurança americana nas nossas
comunicações mais inocentes?
Um simples telefonema entre namorados
(“desliga você”, “não, desliga você”) pode ser interpretado como parte de um
plano para sabotar centrais elétricas. Um pedido para troca de bujão de gás,
uma evidente referência cifrada à explosão da Casa Branca.
O fato é que tenho tentado
recapitular todos os meus telefonemas e e-mails nos últimos anos, com medo de
que um deles, mal interpretado, acabe provocando minha aniquilação por um
drone.
Ou então me vejo chegando nos Estados
Unidos, sendo barrado por um agente da imigração e levado para uma sala sem
janelas, onde sou cercado por outros agentes, provavelmente da CIA, que me
pedem explicações sobre um telefonema, obviamente em código, que fiz antes de
viajar. Reconheço minha voz na gravação.
- O
que quer dizer “à calabresa”, Mr. Veríssimo? - pergunta um dos agentes.
Estou
confuso. Não consigo pensar. Calabresa, calabresa...
- Alguma referência à
máfia? Uma ligação da organização terrorista, à qual o senhor evidentemente
pertence, com a Camorra, visando a um atentado aqui nos Estados Unidos? O
senhor veio se encontrar com a máfia americana para acertar os detalhes do
complô. É isso, Mr. Veríssimo?
- Não,
não. Eu...
- Notamos que, mais de uma
vez na gravação, o senhor diz “sem orégano, sem orégano”. Deduzimos que há uma
divergência dentro do complô entre vocês e a máfia, uns a favor de se usar
“orégano” no atentado, outros contra. O que, exatamente, significa “orégano”?
Finalmente,
me dou conta.
-
Orégano significa orégano. Eu estava pedindo uma...
- Por favor, não faça pouco
da nossa inteligência, Mr. Veríssimo. Não gastamos milhões de dólares para
ouvir que orégano significa orégano.
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