quarta-feira, 15 de outubro de 2014

O Poncho



O poncho era roupa, a cama e a casa do gaúcho.

(Entendeu por que não dá para pisar nele?)

Por Eduardo Bueno


Se ser gaúcho é quase uma religião, eis um caso em que o hábito faz o monge. A moda gaúcha, a grosso modo, é muito mais que mero modismo: é reflexo de um modo de vida. Mistura de peças indígenas, ibéricas e árabes, a indumentária do gaúcho não é só um traje – é uma segunda pele.

Gaúcho usa saia, ceroula, lenço e laço. E, sobre tudo, poncho. O poncho é legado indígena – provavelmente araucano. Metade capa, metade cama, foi chamado “casa do pobre”. Não é a única frase feita com o poncho: “passar por baixo do poncho” era contrabando, para “forrar o poncho”. Já “pisar no poncho” sempre foi coisa séria: o revólver fala, mesmo se o poncho virou pala.

Chiripá, a saia do gaúcho, também saiu da indiada – nesse caso, os minuanos. Traspassado na frente e se derramando da cintura ao joelho, o chiripá era indispensável. Até o advento das bombachas. O caso das bombachas é singular. Tão singular que o certo é grafá-las assim, no plural. Exterminadoras do chiripá, as bombachas se tornaram símbolo do gauchismo. Mas a transformação esconde uma ironia: essas calças largas em forma de “bomba”, hoje tão conhecidas, só se disseminaram pelo pampa após a Guerra do Paraguai, quando a Inglaterra vendeu para os exércitos da Tríplice Aliança peças do uniforme da cavalaria turca – meras sobras de guerra da Crimeia.

O gaúcho primitivo, definido como uma “mistura de índio com cavalo”, calçava bota de garrão de potro: o couro da pata do bicho era tirado inteiro e ajustado à perna e ao pé do índio velho, deixando de fora só o calcanhar e os dedos. Já houve quem dissesse também que o gaúcho é “meio touro, meio galo”: vive coberto de couro, tem na cabeça um lenço vermelho como crista – e usa esporas!

O traje bárbaro se completa com ceroulas de crivo e chapéu com barbicacho, peças vindas da Europa. Mas é bom não esquecer da guaiaca – autêntico cinto de utilidades. Vestido assim, qualquer um pareceria fantasiado. Mas não o gaúcho: o gaúcho está pilchado. Afinal, tudo é uma questão de estilo. E estilo é para quem tem.




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