domingo, 26 de outubro de 2014

O barbeiro escritor



(da Revista Língua Portuguesa n° 7, de 2006)

Sem pressa, com toda a tranqüilidade de um bom interiorano, Dovílio Rodrigues, de 70 anos, nos conta que é barbeiro profissional desde os 14 anos Excelente pão e exímio contador de piadas, aos 26 anos, Dovílio atraía uma freguesia tão numerosa que já não tinha tempo nem para almoçar.

Dovílio credita à pratica dos jogos de tabuleiro e às palavras cruzadas sua prodigiosa memora e um extenso vocabulário que lhe permitiram realizar seu prodígio: escrever um livro composto por palavras iniciadas pela letra P: Pentapaixão.

Ao todo são 180 páginas com 20.267 palavras seqüenciadas, todas em p; não há uma sequer iniciada por qualquer outra letra do alfabeto. Não foi um exercício aleatório de alinhavar termos de maneira forçada. As palavras de seu romance surgem guiadas por uma coerência lógica, compõem-se u enredo do qual participam 38 personagens.

O livro narra a história do pedestrianista Plínio Pirilo Perez Proença, que nasceu primogênito, de parto prematuro pélvico podálico (parto pelos pés),cercado dos cuidados de seus prestimosos pais, mas que acaba caindo na promiscuidade, levando uma vida irregular, sem objetivos. Plínio apaixona-se cinco vezes, por mulheres completamente diferente (daí o nome do título do livro, Pentapaixão) e, ao final, consegue se reerguer graças ao poder da prece, tornando-se um pastor penitente. Ao descrever a trajetória do personagem principal. Ao descrever a trajetória do personagem principal – sua decadência moral e seu posterior reerguimento -, Dovílio praticamente esgota todas as palavras iniciadas em p em diversas áreas, como esporte, comércio, medicina, religião.

Uma narrativa em P

No trecho que segue, a descrição que Dovílio Rodrigues faz, em Pentapaixão, de um acidente automobilístico sofrido pelo protagonista, Plininho, por seu pai Paulo Pirilo, e por empregado deles chamado Percy.

* * * * * * * *

Paulo Pirilo pagou pedágio. Profissional, pilotava primando pela prudência, pela perícia.

Plininho, percebendo pista plana, pediu pro pai para pilotar. Pai pensou, pensou... “Poucas pessoas pilotando pela pista...” Pelo primeiro pedido, permitiu.

Plininho pilotava pelos pastos, pelas planícies. Porém, pouco praticava pilotagem por pistas pavimentadas, própria para preparar pilotos profissionais. Paulo parou, Plininho pulou, permutaram posição. Percy Penteado permaneceu pela parte posterior.

Plininho pegou Parati. Percy, preocupado, pois poderiam passar por perigos, pediu para Plininho pisar pouco. Porém, principiante para pistas pavimentadas, pé pesado, pouco prudente, pressionando pedal, pisou profundamente.

Passando por pedriscos perdidos pela pista (pouca porção), por pisar pesado, patinou perpendicularmente, passou pela pista para pedestre, perigando precipitar pelo precipício.

Pós passar pela pista para pedestre, pegou placa publicitária, posta por pontaletes plantados paralelos.

Praticamente perdido, pós piruetar, pendeu pela pirambeira, parando penso. Por pouco pararia pendurado, prensado por potente penedo (pesada pedra).

Prejuízos: painel partido, placa penduradas, pisca-pisca pararam piscação, porta prensada, porta-pneu possuindo pequenas pregas produzidas pela pancada, platinado perdeu platina, platô perdeu parafusos principais, pneus partidos, pintura perdida...

Paulo, Plininho, pávidos, pálidos pelo pavor passado, pularam primeiro! Porém, Percy, protegido pelo porta-pneu, pôde permanecer preservado.

(Do livro Pentapaixão, de Dovílio Rodrigues
– Unigraf – editora de Matão – SP)


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