quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O Ateneu



Colégio Abílio, do Rio de Janeiro, escola que inspirou O Ateneu.

O Ateneu

(Fragmento)

Raul Pompeia


Entrando no Ateneu

Os companheiros de classe eram cerca de vinte; uma variedade de tipos que me divertia. O Gualtério, miúdo, redondo de costas, cabelos revoltos, motilidade brusca e caretas de símio - palhaço dos outros, como dizia o professor; o Nascimento, o bicanca, alongado por um modelo geral de pelicano, nariz esbelto, curvo e largo uma foice; o Álvares, moreno, cenho carregado, cabeleira espessa e intonsa de vate de taverna, violento e estúpido, que Mânlio atormentava, designando-o para o mister das plataformas de bonde, com a chapa numerada dos recebedores, mais leve de carregar que a responsabilidade dos estudos; o Almeidinha, claro, translúcido, rosto de menina, faces de um rosa doentio, que se levantava para ir à pedra com um vagar lânguido de convalescente; o Maurílio, nervoso, insofrido, fortíssimo em tabuada: cinco vezes três, vezes dois, noves fora, vezes sete?... lá estava Maurílio, trêmulo, sacudindo no ar o dedinho esperto... olhos fúlgidos no rosto moreno, marcado por uma pinta na testa; o Negrão, de ventas acesas, lábios inquietos, fisionomia agreste de cabra, canhoto e anguloso, incapaz de ficar sentado três minutos, sempre à mesa do professor e sempre enxotado, debulhando um risinho de pouco vergonha, fazendo agrados ao mestre, chamando-lhe bonzinho, aventurando a todo ensejo uma tentativa de abraço que Mânlio repelia, precavido de confianças; Batista Carlos, raça de bugre, válido, de má cara, coçando-se muito, como se o incomodasse a roupa no corpo, alheio às coisas da aula, como se não tivesse nada com aquilo, espreitando apenas o professor para aproveitar as distrações e ferir a orelha aos vizinhos com uma seta de papel dobrado. Às vezes a seta do bugre ricochetava até a mesa de Mânlio. Sensação; suspendiam-se os trabalhos; rigoroso inquérito. Em vão, que os partistas temiam-no e ele era matreiro e sonso para disfarçar.

Dignos de nota havia ainda o Cruz, tímido, enfiado, sempre de orelha em pé, olhar covarde de quem foi criado a pancadas, aferrado aos livros, forte em doutrina cristã, fácil como um despertador para desfechar as lições de cor, perro como uma cravelha para ceder uma ideia por conta própria; o Sanches, finalmente, grande, um pouco mais moço que o venerando Rebelo, primeiro da classe, muito inteligente, vencido apenas por Maurílio na especialidade dos noves fora vezes tanto, cuidadoso dos exercícios, êmulo do Cruz na doutrina, sem competidor na análise, no desenho linear, na cosmografia.

O resto, uma cambadinha indistinta, adormentados nos últimos bancos, confundidos na sombra preguiçosa do fundo da sala.


“A escola é um mundo onde a gente pode até errar,
fazer de novo e acertar.”

 


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