Nelson Rodrigues foi o maior frasista
brasileiro, o nosso Rochefoucauld. Com a contribuição milionária de Erika
Nakamura, o Diário selecionou, em 2012, 100 máximas de Nelson Rodrigues para
festejar seus 100 anos, ele nasceu em 1912.
012. Acho a velocidade um prazer
de cretinos. Ainda conservo o deleite dos bondes que não chegam nunca.
013. Amar é dar razão a quem não tem.
014. Amar é ser fiel a quem nos trai.
015. Antigamente, o silêncio era
dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem. O grito, a ênfase, o gesto, o
punho cerrado, estão com os idiotas de ambos os sexos.
016. As grandes convivências estão a um milímetro do tédio.
017. Com sorte você atravessa o mundo, sem sorte você não
atravessa a rua.
018. Começava a ter medo dos
outros. Aprendia que a nossa solidão nasce da convivência humana.
019. Copacabana vive, por semana, sete domingos.
020. D. Helder só olha o céu para saber se leva ou não o
guarda-chuva.
021. Desconfie da esposa amável,
da esposa cordial, gentil. A virtude é triste, azeda e neurastênica.
022. Desconfio muito dos
veementes. Via de regra, o sujeito que esbraveja está a um milímetro do erro e
da obtusidade.
023. Deus está nas coincidências.
024. Dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro.
025. É preciso ir ao fundo do ser
humano. Ele tem uma face linda e outra hedionda. O ser humano só se salvará se,
ao passar a mão no rosto, reconhecer a própria hediondez.
026. É preciso trair para não ser traído.
027. Em muitos casos, a raiva
contra o subdesenvolvimento é profissional. Uns morrem de fome; outros vivem
dela, com generosa abundância.
028. Entre o psicanalista e o doente, o mais perigoso é o
psicanalista.
029. Está se deteriorando a bondade
brasileira. De quinze em quinze minutos, aumenta o desgaste da nossa
delicadeza.
030. Eu me nego a acreditar que um político, mesmo o mais
doce político, tenha senso moral.
031. Existem situações em que até os idiotas perdem a
modéstia.
032. Falta ao virtuoso a feérica, a irisada, a multicolorida
variedade do vigarista.
033. Hoje é muito difícil não ser canalha. Todas as pressões
trabalham para o nosso aviltamento pessoal e coletivo.
034. Hoje, o sujeito prefere que lhe xinguem a mãe e não o
chamem de reacionário.
035. Invejo a burrice, porque é eterna.
036. Jovens: envelheçam rapidamente!
037. Muitas vezes é a falta de
caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com
bons sentimentos…
038. Na mulher, certas idades
constituem, digamos assim, um afrodisíaco eficacíssimo. Por exemplo: - 14 anos!
039. Nada nos humilha mais do que a coragem alheia.
040. Não acredito em honestidade sem acidez, sem dieta e sem
úlcera.
041. Não admito censura nem de Jesus Cristo.
042. Não damos importância ao
beijo na boca. E, no entanto, o verdadeiro defloramento é o primeiro beijo na
boca. A verdadeira posse é o beijo na boca, e repito: – é o beijo na boca que
faz do casal o ser único, definitivo. Tudo mais é tão secundário, tão frágil,
tão irreal.
043. Não existe família sem adúltera.
044. Não há nada que fazer pelo ser humano: o homem já
fracassou.
045. Não se apresse em perdoar. A misericórdia também corrompe.
046. Nem toda mulher gosta de apanhar. Só as normais.
047. Nossa ficção é cega para o
cio nacional. Por exemplo: não há, na obra do Guimarães Rosa, uma só curra.
048. Num casamento, o importante
não é a esposa, é a sogra. Uma esposa limita-se a repetir as qualidades e os
defeitos da própria mãe.
049. Nunca a mulher foi menos amada do que em nossos dias.
050. O adulto não existe. O homem é um menino perene.
051. O amor entre marido e mulher
é uma grossa bandalheira. É abjeto que um homem deseje a mãe de seus próprios
filhos.
052. O artista tem que ser gênio
para alguns e imbecil para outros. Se puder ser imbecil para todos, melhor
ainda.
053. O asmático é o único que não trai.
054. O biquíni é uma nudez pior do que a nudez.
055. O boteco é ressoante como uma concha marinha. Todas as
vozes brasileiras passam por ele.
056. O Brasil é muito impopular no Brasil.
057. O brasileiro é um feriado.
058. O brasileiro, quando não é canalha na véspera, é
canalha no dia seguinte.
059. O cardiologista não tem,
como o analista, dez anos para curar o doente. Ou melhor: – dez anos para não
curar. Não há no enfarte a paciência das neuroses.
060. O casamento é o máximo da solidão com a mínima
privacidade.
061. O grande acontecimento do século foi a ascensão
espantosa e fulminante do idiota.
062. O homem começa a morrer na sua primeira experiência
sexual.
063. O homem não nasceu para ser
grande. Um mínimo de grandeza já o desumaniza. Por exemplo: - um
ministro. Não é nada, dirão. Mas o fato de ser ministro já o empalha. É como se
ele tivesse algodão por dentro, e não entranhas vivas.
064. O jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: o da
imaturidade.
065. O morto esquecido é o único que repousa em paz.
066. O marido não deve ser o último a saber. O marido não
deve saber nunca.
067. O Natal já foi festa, já foi um profundo gesto de amor.
Hoje, o Natal é um orçamento.
068. O ônibus apinhado é o túmulo do pudor.
069. O pudor é a mais afrodisíaca das virtudes.
070. O puro é capaz de abjeções inesperadas e totais e o
obsceno, de incoerências deslumbrantes. Somos aquela pureza e somos
aquela miséria. Ora aparecemos varados de luz, como um santo de vitral, ora
surgimos como faunos de tapete.
071. O sábado é uma ilusão.
072. O Ser Humano, tal como imaginamos, não existe.
073. Os homens mentiriam menos se as mulheres fizessem menos
perguntas.
074. Outrora, os melhores
pensavam pelos idiotas; hoje, os idiotas pensam pelos melhores. Criou-se uma
situação realmente trágica: - ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o
extermina.
075. Perfeição é coisa de
menininha tocadora de piano.
076. Qualquer menino parece, hoje, um experimentado e
perverso anão de 47 anos.
077. Quem nunca desejou morrer com o ser amado nunca amou,
nem sabe o que é amar.
078. Se Euclides da Cunha fosse
vivo teria preferido o Flamengo a Canudos para contar a história do povo
brasileiro.
079. Se os fatos são contra mim, pior para os fatos.
080. Se todos conhecessem a
intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém.
081. Sem paixão não dá nem para chupar picolé.
082. Sexta feira é o dia em que a virtude prevarica.
083. Só acredito nas pessoas que ainda se ruborizam.
084. Só não estamos de quatro, urrando no bosque, porque o
sentimento de culpa nos salva.
085. Só o cinismo redime um
casamento. É preciso muito cinismo para que um casal chegue às bodas de prata.
086. Só o rosto é indecente. Do pescoço para baixo podia-se
andar nu.
087. Sou reacionário. Minha reação é contra tudo que não
presta.
088. Subdesenvolvimento não se improvisa; é obra de séculos.
089. Tarado é toda pessoa normal pega em flagrante.
090. Toda coerência é, no mínimo, suspeita.
091. Toda mulher bonita leva em
si, como uma lesão da alma, o ressentimento. É uma ressentida contra si mesma.
092. Toda mulher bonita tem um pouco de namorada lésbica em
si mesmo.
093. Toda mulher gosta de apanhar. Só as neuróticas reagem.
094. Toda unanimidade é burra.
095. Todas as mulheres deviam ter catorze anos.
096. Todo amor é eterno. Se não é eterno, não era amor.
097. Todo desejo é vil.
098. Todo tímido é candidato a um crime sexual.
099. Tudo passa, menos a
adúltera. Nos botecos e nos velórios, na esquina e nas farmácias, há sempre
alguém falando nas senhoras que traem. O amor bem-sucedido não interessa a
ninguém.
100. Um filho, numa mulher, é uma transformação.
Até uma cretina, quando tem um filho, melhora.
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