→ Em 1901 a vetusta rua do Ouvidor se agita
com os bandos e cordões cantando:
“Viva o Zé–Pereira
Que a ninguém faz mal
E viva a bebedeira
Que hoje é carnaval.”
→ Em 1902, tragédia no
carnaval: dois blocos carnavalescos rivais se defrontam na Praia de Botafogo.
Pancadaria grossa e dois mortos. Nos velórios, os foliões são enterrados ao som
de uma marcha de Candinho, singela na letra, mas alegríssima.
“Que bela rosa
Que lindo jasmim
Eu vi o triunfo
Lá no meu jardim.”
→ Em 1903 chega ao Rio,
vitorioso, Santos Dumont. Saudado com faixa no Pão-de-Açúcar e ouvindo o povo
cantar a quadra de Eduardo das Neves:
“A Europa curvou-se ante o
Brasil
E clamou parabéns em meigo tom
Brilhou lá no céu mais uma
estrela
E apareceu Santos Dumont.”
→ Em 1904, o êxito do
carnaval não foi nem a marchinha recém-inventada nem o velho lundu. Foi a polca
política em gozação à campanha de desratização de Oswaldo Cruz:
“Rato, rato, rato
Por que motivo tu roeste meu baú
Rato, rato, rato
Audacioso e malfazejo gabiru.”
→ Em 1905 o carnaval de
cordões e de entrudo alegra a cidade, desafiando a proibição policial.
“Eu vou beber
Eu vou me embriagar
Eu vou fazer barulho
Pra polícia me pegar.”
→ Em 1906, o melhor maxixe é
o de Arquimedes de Oliveira e Bastos Tigre, que proclamavam, em alto e bom som,
contra Tenentes e Fenianos:
“Vem cá mulata
Não vou lá não
Sou Democrata
Sou Democrata, de coração.”
→ Em 1907, o sucesso do
carnaval foi um comentário bem-humorado ao crime bárbaro que meses antes dois
italianos cometeram na Rua da Carioca e que estarreceu a opinião pública:
“Mandei fazer um terno de
jaquetão
Pra ver Carletto e Rocca na
Detenção
Mandei fazer um terno de
jaquetinha
Pra ver Carletto e Rocca na
carrocinha.”
→ Em 1909, Oliveira Lima –
diplomata mais gordo e mais monarquista. Emílio Menezes compõe para ele estes
versos:
“De pele flácida
diante de sua própria
como oliveira não dá azeitona
e como lima parece uma
melancia.”
→ Em 1910 o êxito do
carnaval é uma polca de gozação contra o presidente Hermes da Fonseca “o seu
Dudu”.
“Ah, Filomena, se eu fosse tu
Tirava a urucubaca da careca do
Dudu.”
→ Em 1911 o general Dantas
Barreto, derrotado nas eleições, mas apoiado por Hermes da Fonseca, depõe o
governado Rosa e Silva. O povo canta:
“O país rolou, caiu
Rosa desceu
Dantas subiu.”
→ Em 1912 o carnaval é
proibido e adiado no Rio para assinalar a morte do barão do Rio Branco. O povo
aproveita a faz dois carnavais, cantando:
“Com a morte do barão
Tivemos dois carnavá
Ai que bom. Ai que gostoso
Se morresse o marechá.”
→ Em 1913 o sucesso
carnavalesco é a polca Dengo-Dengo, que deu nome a uma revista de grande
sucesso na Praça Tiradentes:
“Dengo, dengo, dengo
Ó maninha
É e caruru
Quem matou baeta, ó maninha
Foi carapicu.”
→ Em 1914 o grande escândalo
nacional: a esposa do presidente da República, Nair de Teffé, num baile do
catete, toca ao violão o maxixe Corta Jaca, de Chiquinha Gonzaga:
“Ai! Ai! Que bom cortar a jaca
Ai! Sim! meu bem, ataca
Sem descansar.”
→ Em 1917, com a moda da
propaganda rimada, Emílio e Menezes comete um soneto com este fecho:
“Da horrível tosse que me pôs
febril
Dei cabo, usando apenas a metade
De um milagroso frasco de
Bromil.”
→ Em 1918 todos leram, pela
primeira vez, o reclame escrito por Bastos Tigre pregado em todos os bondes do
Rio de janeiro:
“Veja, ilustre passageiro,
O belo tipo faceiro
Que o senhor tem a seu lado.
No entanto acredite
Quase morreu de bronquite
Salvou-o o Rhum Creosotado.”
→ Em 1919, no carnaval, os
irmãos Pixinguinha e China dão a resposta musical a Sinhô, o Rei do Samba, que
no ano anterior apresentara “Quem são eles” (referência aos dois), “Já te digo”
traça o retrato do desafeto:
“Ele é alto, magro e feio
É desdentado
Ele fala do mundo inteiro
E já está avacalhado
No Rio de Janeiro.”
→ Em 1920, no carnaval, o
povo volta a satirizar a política. Sinhô sai com seu admirável “Fala meu
Louro”, referência ao mutismo de Rui Barbosa, batido nas urnas por Epitácio
Pessoa:
“Papagaio louro
De bico dourado
Tu falavas tanto
Qual a razão
Que vives calado?”
→ Em 1921, os bondes do rio se enchem com este verso de
reclame:
“A noiva do meu vizinho
Entre ternura e carinho
Me disse um dia essa frase:
Se quiser minha alegria
Cura tua blenorragia
Com uso de Ganostase.”
→ Em 1924, o sucesso no
carnaval é “Pai Adão”, outra vitória de Eduardo Souto que a censura engole,
inaugurando o ciclo dos adãos e das evas na permissividade:
“Gozar, até cansar
Ai como é bom viver
E como Pai Adão pecar
Pecar, pecar
Gozar, gozar, gozar,
Até cansar.”
→ Em 1925, o êxito do
carnaval é “Sai Cartola”, de Raul Silva. Uma sátira ao chapéu-coco,
indistintamente usado. Até pelas mulheres. É um beliscão na bestice da
grã-finagem:
“Sai, Cartola
Sai, Cartola
Camisa de peito
Sapato pedindo sola.”
→ Em 1926, no carnaval a
censura age ferozmente contra os compositores populares. O chefe de polícia
estabelece na Avenida Rio Branco mão e contramão para evitar as bolinações.
José Francisco de Freitas sai com esta marcha:
“Zizinha, Zizinha
Ó, vem comigo
Minha santinha, vem
Eu também quero uma casquinha.”
→ Em 1927, Emílio de
Menezes, danado por perder um concurso de quadrinhas de reclame, protesta:
“Se o concurso era de tretas
Por que não me preveniu?
Vai vender fazendas pretas
Lá na puta-que-o-pariu!”
→ Em 1929 a campanha
eleitoral se trava aos gemidos da tuba que sopra um jingle de Luiz Peixoto,
musicado por Heckel Tavares:
“Getúlio
Fon, fon, fon, fon
Você esta comendo bola
Não se meta com seu Júlio
Que seu Júlio tem escola.”
→ Em 1931 começa a
glorificação de Getúlio Vargas com a marchinha de Lamartine Babo:
“Gê-e-é: Gê
Tê-e-ú: Tu
Lê-e-i: Li, ô
Ge-tú-li-o.”
→ Em 1932 Wilson Batista deixa o
ofício decadente de acendedor de lampião a gás para inaugurar uma prodigiosa
carreira de cantor da malandragem carioca:
“Eu passo gingando
Provoco desafio
Eu tenho orgulho
de ser vadio.”
→ Em 1936 Jorge de Lima se
assume como negro e adere à negritude em quatro poemas:
“Os netos de teus mulatos e de
teus cafuzos
E a quarta e a quinta geração de
teu sangue sofredor
Tentarão apagar a tua cor! “
→ Em 1937 Pixinguinha grava,
com piano, flauta, duas clarinetas, contrabaixo, violão, cavaquinho, bateria e
voz de Orlando Silva, “Carinhoso”, letra de João de Barro – Braguinha:
“Meu coração
não sei por quê,
bate feliz
quando te vê.”
→ Em 1941 o governo, no afã
propagandista do Estado Novo, promove e incentiva grupos musicais a cantar o
trabalho, em vez da malandragem. Wilson Batista e Ataulfo Alves saem com “O
Bonde São Januário”, e Geraldo Pereira com:
“De manhã deixo o barracão
Vou pro ponto de seção
Cheio de alegria
Pego o bonde Piedade
desembarco na cidade
Em busca do pão de cada dia.”
→ Em 1944 o êxito do ano é a
“Canção do Expedicionário”(pracinha), de Guilherme de Almeida musicada por
Spartaco Rossi:
“Por mais terras que percorra
não permitas Deus que eu morra
Sem volte para lá;
sem que leve por divisa
esse “V” que simboliza
a vitória que virá.”
→ Em 1945, no carnaval,
Grande Otelo e Herivelto Martins profeticamente lançam o brado da esperança:
“Canta, samba, canta,
muita alegria nós precisamos.
Está terminando a tirania alemã.
A guerra acaba amanhã.”
→ Em 1946 o grande sucesso é de
João de Barro e Alberto Ribeiro, com “Copacabana”, cantada por Dick Farney, que
inaugura o samba-canção:
“Copacabana, princesinha do mar
pelas manhãs, tu és a vida a
cantar
e à tardinha, ao sol poente,
deixas sempre uma saudade na
gente.”
→ Em 1949, o malandro Wilson
Batista quem define, com perfeição, o problema social da moradia:
“Você conhece o pedreiro
Waldemar?
Não conhece?
Mas eu vou lhe apresentar.
De madrugada toma o trem da
circular
Faz tanta casa e não tem casa
pra morar.”
→ Em 1950 a marchinha
mais cantada é mesmo a marchinha getulista de João de Barro e José Maria de
Abreu:
“Ai, Gegê!
Ai, Gegê, que saudades
que nós temos de você.”
→ Em 1951, com a vitória nas
urnas, a marchinha de Haroldo Lobo e Marino Pinto, na voz de Francisco Alves é
a mais cantada no Brasil:
“Bota o retrato do velho,
outra vez,
Bota no mesmo lugar.
O sorriso do velhinho
faz a gente trabalhar.”
→ Em 1952, com o empreguismo
na capital federal, Arnaldo Cavalcanti e Klecius Caldas, na voz de Blecaute,
lançam a marchinha crítica:
“Maria Candelária
É alta funcionária
saltou de pára-quedas
Caiu na letra Ó
Ó, Ó, Ó, Ó, Ó.”
→ Em 1953 o filme “O
Cangaceiro”, de Lima Barreto, premiado em Cannes abre a fase profissional
histórica do cinema brasileiro. Vanja Orico encanta o Brasil cantando:
“Olé, mulhé rendeira
Olé, mulhé rendá
Tu me ensina a fazer renda
Que eu te ensino a namorá.”
→ Em 1956 Vinicius de Moraes
é apresentado a Tom Jobim (por Lúcio Rangel), no Bar Vilarinho, Daí passam a
escrever novas composições. Vinicius lança seu mais belo poema-canção: “A
Serenata do Adeus” gravado por Elizeteh Cardoso:
“Oh, minha amada
Que olhos os teus!
São cais noturnos
Cheios de adeus.”
→ Em 1958 para por fim ao
furor conspirativo da Aeronáutica, JK compra dos ingleses um porta-aviões de
sucata, e o batiza com o nome Minas Gerais. Mas o povo o apelida de Belo
Antônio (bonito mas não funciona). Juca Chaves canta:
“O Brasil já vai à guerra
Comprou porta-aviões
Um viva para a Inglaterra!
Oitenta e dois milhões:
mas que ladrões!”
→ Em 1963 Antônio Almeida dá
o toque e reforça as posições de Jango, cantando:
“Mulata latifundiária
Pra que tanta ambição
Faz logo a reforma agrária
Reparte o teu coração.”
→ Em 1964, no carnaval, o
povo ainda não havia percebido o golpe militar, satiriza a guerra da lagosta,
na marcha de Jorge Washington:
“Faço uma proposta pra você
Faço um acordo de irmão
Traga uma francesa pra mim
E leve tudo, lagosta,
até meu camarão.”
→ Em 1965, Zé Kéti compõe e
difunde, apesar de não ter sido gravada, a canção mais cantada no reveillon:
“Marchou com Deus pela democracia
Agora chia. Agora chia.”
→ Em 1968, realiza-se no Rio
a passeata dos cem mil, encabeçada por estudantes, intelectuais e artistas,
expressando a esperança de uma abertura democrática com as seguintes palavras
de ordem:
“Nesse luto começa a nossa luta.”
“O povo unido jamais será
vencido.”
“Não fique aí parado, você é
explorado.”
→ Em 1970, na Copa do Mundo
realizada no México, após a vitória do Brasil contra a Inglaterra, o povo canta
nas ruas:
“É canja. É canja. É canja
é canja de galinha
A nossa seleção
Pôs na bunda da rainha.”
→ Em 1975, apesar da
Ditadura, o Brasil volta a poetar alto com Ferreira Gullar em “Dentro da Noite
Veloz”:
“Como dois e dois são quatro
Sei que a vida vale a pena
Embora o pão seja caro
E a liberdade pequena.”
→ Em 1979, com a Anistia,
Prestes é recebido no galeão por milhares de pessoas que cantam:
“De Norte a Sul
De Leste a Oeste
O povo todo grita:
Luís Carlos Prestes.”
→ Em 1980, a música
popular se renova e vira espetáculo com o rock nativo, irreverente e
irrefreável de Rita Lee, toda feita de talento e audácia:
“Não tenho grana pra pagar motel
Papai, me empresta o carro
Pra eu tirar um sarro
com meu bem.”
*****
(Do livro “Aos
Trancos e Barrancos”- como o Brasil deu no que deu.)
Darcy Ribeiro –
Editora Guanabara
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