terça-feira, 9 de setembro de 2014

Textos de antanho



Antigamente, dizem, se amarrava cachorro com linguiça. Naquela época, cachorros eram chamados Tufão, Rex, Manchinha, Bilu, Sultão, e não Walter, Alfredo, Anabel, Nicolas, Alex. E talvez o trema ajudasse a prender o animal e a evitar que comesse a coleira.

Antigamente, se ganhava o pão de cada dia com o suor do rosto. A panificação era farta e a secreção era pouca.

Antigamente, os rios corriam para o mar, serelepes e cristalinos, sem que o assoreamento os matassem de sede a partir da nascente ou as imundícies os sufocassem antes da foz. Nesse tempo abundavam os afluentes inúteis e até filhotes de rio havia, como córregos e riachos.

Antigamente, se respeitavam os mais velhos, mas os mais velhos também se davam ao respeito. Desrespeito também ocorria, porém ninguém se conformava com ele.

Antigamente, muitas coisas eram de bom alvitre e, além de uma solução, alvitre também era boa rima para salitre.

Antigamente, era a convenção, quem entrasse num ambiente – casa, estabelecimento comercial, elevador – dava bom-dia, boa-tarde, e os que já estavam lá se sentiam cumprimentados e correspondiam à afabilidade. Conseguem imaginar isso?

Antigamente, reboliço e alvoroço era o que roubava o sossego de um lugar. Tumulto era o que acontecia muito de vez em quando, geralmente em plagas distantes.

Antigamente, em política, a direita ficava à direita e a esquerda, à esquerda.

Antigamente, existiam nuances no vocabulário: dizer era uma coisa, afirmar era outra, mencionar e referir outras bem diferentes, e além de contar se narrava. Explanava-se de um jeito e se expunha de outro. E etc. era bastante usado pra sugerir o saber, não para camuflar o não-sabido.

Antigamente, havia, como sempre houve, atentado ao pudor – porque antigamente até pudor havia.

Antigamente, num jeito errado de educar, filhos levavam surra, sova e sumanta de laço dos pais. Ao contrário de hoje, quando pais apanham dos filhos, o pior modo de mostrar falta de educação.

Antigamente, se podia fazer uma crônica repetitiva como essa sem temor. Não soaria anacrônica.

Fraga – Jornal Extra Classe


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