Antigamente, dizem, se amarrava
cachorro com linguiça. Naquela época, cachorros eram chamados Tufão, Rex,
Manchinha, Bilu, Sultão, e não Walter, Alfredo, Anabel, Nicolas, Alex. E talvez
o trema ajudasse a prender o animal e a evitar que comesse a coleira.
Antigamente, se ganhava o pão de cada
dia com o suor do rosto. A panificação era farta e a secreção era pouca.
Antigamente, os rios corriam para o
mar, serelepes e cristalinos, sem que o assoreamento os matassem de sede a
partir da nascente ou as imundícies os sufocassem antes da foz.
Nesse tempo abundavam os afluentes inúteis e até filhotes de rio havia,
como córregos e riachos.
Antigamente, se respeitavam os mais
velhos, mas os mais velhos também se davam ao respeito. Desrespeito também
ocorria, porém ninguém se conformava com ele.
Antigamente, muitas coisas eram de
bom alvitre e, além de uma solução, alvitre também era boa rima para
salitre.
Antigamente, era a convenção, quem
entrasse num ambiente – casa, estabelecimento comercial, elevador – dava
bom-dia, boa-tarde, e os que já estavam lá se sentiam cumprimentados e
correspondiam à afabilidade. Conseguem imaginar isso?
Antigamente, reboliço e alvoroço era
o que roubava o sossego de um lugar. Tumulto era o que acontecia muito de vez
em quando, geralmente em plagas distantes.
Antigamente,
em política, a direita ficava à direita e a esquerda, à esquerda.
Antigamente, existiam nuances no
vocabulário: dizer era uma coisa, afirmar era outra, mencionar e referir outras
bem diferentes, e além de contar se narrava. Explanava-se de um jeito e se
expunha de outro. E etc. era bastante usado pra sugerir o saber, não para
camuflar o não-sabido.
Antigamente, havia, como sempre
houve, atentado ao pudor – porque antigamente até pudor havia.
Antigamente,
num jeito errado de educar, filhos levavam surra, sova e sumanta de laço dos
pais. Ao contrário de hoje, quando pais apanham dos filhos, o pior modo de
mostrar falta de educação.
Antigamente, se podia fazer uma
crônica repetitiva como essa sem temor. Não soaria anacrônica.
Fraga – Jornal Extra
Classe
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