Rui Barbosa, o sisudo, um poço
sem fundo de erudição, talvez tenha sido um dos homens públicos mais
caricaturados no Brasil de Machado de Assis, Chiquinha Gonzaga, Raul
Pederneiras, K. Lixto, J.Carlos e Nair de Tefé. Levava-se tão a sério que
difícil seria para a população brasileira, principalmente a carioca, não zombar
de tamanha sisudez, ranzinzice e austeridade. A maioria dos textos
ruibarbosianos caracterizava-se por um sarapatel indigesto de antífrases, antonomásias,
disfemismos, hipálages, metalepses, matiazites, anadiploses, sínqueses,
prolepses, oxímoros. Que não são doenças, nem curas, mas figuras de pensamento
e construção a afundar cada vez mais o homem comum, semi-analfabeto, nas trevas
da própria ignorância.
De como Rui Barbosa, o erudito,
despetalava a flor do Lácio caprichosamente, glosa-se, até hoje, em todos os
principais cursos de Direito do Brasil. E os casos se tornaram extravagantes,
quando, por motivos alheios à própria vontade, o luminar descia da torre de
marfim para contatos fortuitos com a plebe rudimentar.
Notável se fez o episódio do
flagrante a um ladrão de patos. Rui Barbosa, o douto, ao chegar certa noite ao
casarão onde morava, na então aprazível Rua São Clemente, em Botafogo, ouviu um
barulho estranho vindo do quintal. Apressou-se o suficiente para flagrar um
homem que pulava o muro, tentando furtar-lhe os patos de estimação.
Aproximou-se, vagarosamente, e bateu nas costas do gatuno com o castão da
bengala:
- Bucéfalo, não é pelo valor intrínseco dos bípedes
palmípedes e sim pelo ato vil e sorrateiro de galgares os profanos de minha
residência. Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares de
minha alta prosopopeia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala
fosfórica no alto de tua sinagoga que te reduzirá à quinquagésima potência que
o vulgo denomina nada.
O ladrão
espantado, confuso, amedrontado, aterrorizado, apertou os olhos e balbuciou:
- Doutor, levo ou não levo os patos?
*****
Certa feita, Rui Barbosa, o preclaro,
ingressara no bonde em
Santa Teresa e se sentara em um dos bancos de três lugares,
recostando-se confortavelmente, quando uma conhecida atriz francesa da época,
muito gorda e patusca, acomodou-se justamente ao lado do nosso sábio. O
ferrocarril estava praticamente vazio. Suando copiosamente, Ruy, angustiado,
olhava de soslaio a mulher, que, a cada solavanco, o espremia mais contra a
murada do coletivo. De supetão, após mirar e constatar que todo o banco
traseiro estava vazio, berrou:
-
Atrás há três, atriz atroz!
Julgando-se cortejada por senhor
tão elegante e nobre, a imensa e ignorante coquete francesa reprimiu um
risinho, abanando-se com um leque colorido, e seguiu a viagem inteira tentando
seduzir o impaciente cavalheiro da severa figura.
*****
Conta a lenda que, antes de morrer,
aos 73 anos, no primeiro dia de março de 1923, Rui Barbosa, o profeta, teve
pelo menos mais um contato direto com o povo que lhe teria deixado furioso,
inconformado, estarrecido e desolado como nunca! O jurista, político,
diplomata, escritor, filólogo, tradutor e orador brasileiro sofria com a perda
de visão na velhice. Esperava um bonde no Passeio Público, próximo aos Arcos da
Lapa, quando percebeu que, no fim da rua, apontava a condução. Ele aproximou-se
de uma preta velha, gorda e bonachona, lenço de pano encardido na cabeça, para
perguntar-lhe sobre o número ou o nome da direção do bonde que se aproximava.
- Meu senhor, me desculpa,
porque querer ajudar eu quero. Mas acontece que eu também sou analfabeta!
*****
Rui ou Ruy
Rui ou Ruy
A Certidão de Nascimento de Ruy Barbosa
Ruy Barbosa ou Rui Barbosa?
1) Numa elevada discussão entre
leitores, questiona-se como grafar o nome do nosso amado jurista baiano: Ruy Barbosa ou Rui Barbosa. Um levanta a divergência entre o “site” do Tribunal de
Justiça do Estado da Bahia e o da Fundação Casa de Rui Barbosa. Outro tenta
solucionar com o abono da certidão de nascimento.
2) Fixe-se, nessa matéria, um
importante princípio: os nomes próprios sujeitam-se às regras normais de
ortografia e de acentuação gráfica, assim como qualquer outra palavra da
língua. Por isso se deve escrever Antônio, Luís, Mateus, Rui, e não Antonio,
Luiz, Matheus ou Ruy.
3) Confirma-se na lei tal
afirmação: o item XI, subitem 39, do Formulário Ortográfico da Língua
Portuguesa – em instruções aprovadas unanimemente pela Academia Brasileira de Letras
na sessão de 12.8.43 – assim determina: “Os nomes próprios personativos,
locativos e de qualquer natureza, sendo portugueses ou aportuguesados, serão
sujeitos às mesmas regras estabelecidas para os nomes comuns”.
4) Especificando, na consonância
com o item I, subitens 1 e 2, das mesmas instruções, o y só pode ser usado em casos especiais:
I) “em abreviaturas e como
símbolo de alguns termos técnicos e científicos” (cf. item II, subitem, 9),
como y (de ítrio) ou yd (de jarda);
II) “nos derivados de nomes
próprios estrangeiros” (cf. item II, subitem 10), como em byroniano, mayardiana ou
taylorista.
5) Observe-se que a Academia
Brasileira de Letras detém delegação legal para definir a extensão de nosso
léxico, as regras de como escrever os vocábulos, assim como a acentuação e a
pronúncia, de modo que sua palavra não significa mera posição ou opinião, mas é
a própria lei, que deve ser seguida, de modo que qualquer outra discussão há de
situar-se apenas no campo da polêmica científica e da discussão doutrinária.
6) É oportuno acrescentar proveitosa lição de Pasquale Cipro
Neto e Ulisses Infante para a situação ora analisada: “A grafia dos nomes de
todos os que se tornam publicamente conhecidos aparece corrigida em publicações
feitas após a morte dessas pessoas”.1
7) De Arnaldo Niskier também é
lição nesse sentido: “Passando desta para a melhor, a norma é escrever seus
nomes de acordo com as regras ortográficas”, razão pela qual “um Antonio Luiz
só o será em vida: depois da morte passará a ser, portuguesmente, Antônio Luís”.2
8) Em resumo, a situação do caso
concreto da consulta deve ser assim solucionada: em vida, o jurista baiano
chamava-se Ruy Barbosa de Oliveira. Após sua morte, deve-se grafar Rui Barbosa
de Oliveira.
1. Cf. CIPRO NETO, Pasquale;
INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Scipione,
1999, p. 42.
2. Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões
Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor,
Assessoria de Planejamento Ltda., 1992, p. 45.
(Do Blog
Gramaticalhas)
Nenhum comentário:
Postar um comentário