domingo, 24 de agosto de 2014

Por que sou gremista

Por Lupicínio Rodrigues



Domingo, estive em um churrasco da Sociedade Satélite Prontidão, onde se reúne a “gema” dos mulatos de Porto Alegre. Lá houve tudo de bom, bom churrasco, boa música e boa palestra. Mas como nessas festas nunca falta uma discussão quando a cerveja sobe, lá também houve uma, e foi a seguinte:

Uma turma de amigos quis saber por quê, sendo eu um homem do povo e de origem humilde, sou torcedor tão fanático do Grêmio.

Por sorte, lá estava também o senhor Orlando Ferreira da Silva, velho funcionário da Biblioteca Pública, que me ajudou a explicar o que meu pai já havia me contado. Em 1907, uma turma de mulatinhos, que na naquela época já sonhava com a evolução das pessoas de cor, resolveu formar um time de futebol. Entre estes mulatinhos, estava o senhor Júlio Silveira, pai do nosso querido Antoninho Onofre da Silveira, o senhor Francisco Rodrigues, meu querido pai, o senhor Otacílio Conceição, pai do nosso amigo Marceli Conceição, o senhor Orlando Pereira da Silva, o senhor José Gomes e outros. O time foi formado. Deram o nome de Rio-Grandense e ficou sob a presidência do saudoso Júlio Silveira. Foram grandes os trabalhos para escolher as cores, o fardamento, fazer estatutos e tudo que fosse necessário para um clube se legalizar, pois os mulatinhos sonhavam em participar da Liga, que era, naquele tempo, formada pelos Fusss-Ball, que é o Grêmio de hoje, o Ruy Barbosa, o Internacional e outros.

Este sonho durou anos, mas no dia em que o Rio-Grandense pediu inscrição na Liga, não foi aceito porque justamente o Internacional, que havia sido criado pelo “Zé Povo”, votou contra, e o Rio-Grandense não foi aceito.

Isso magoou profundamente os mulatinhos, que resolveram torcer contra o Internacional, e o Grêmio, sendo o seu maior rival, foi escolhido para tal.

Fundou-se (em 1910), por isso, uma nova Liga, que mais tarde foi chamada de Canela Preta, e quando estes moços casaram, procuraram desviar seus filhos do clube que é hoje chamado o “Clube do Povo”, apesar de não ter sido ele o primeiro a modificar seus estatutos para aceitar pessoas de cor, pois esta iniciativa coube ao Esporte Clube Americano, e vou explicar como:

A Liga dos Canelas Pretas* durou muitos anos, até quando o Esporte Clube Ruy Barbosa, precisando de dinheiro, desafiou os pretinhos para uma partida amistosa, que foi vencida pelos desafiados, ou seja, os pretinhos. O segundo adversário dos moços de cor foi o Grêmio, que jogou com título de “Escrete Branco”. Isso despertou a atenção dos outros clubes que viram nos Canelas Pretas um grande celeiro de jogadores e trataram de mudar seus estatutos para aceitarem os mesmos em suas fileiras, conseguindo levar assim os melhores jogadores, e a Liga teve que terminar. O Grêmio foi o último time a aceitar a raça, porque em seus estatutos constava uma cláusula que dizia que ele perderia seu campo, doado por uns alemães, caso aceitasse pessoas de cor em seus quadros. Felizmente, esta cláusula já foi abolida, e hoje tenho a honra de ser sócio-honorário do Grêmio e ter composto seu hino que publico ao pé desta coluna.

Hino do Grêmio**

Letra e música de Lupicínio Rodrigues

I

Até a pé nós iremos
Para o que der e vier,
Mas o certo é que nós estaremos
Com o Grêmio onde o Grêmio estiver.

(bis)

II

Cinquenta anos de glória***
Tens, imortal tricolor,
Os feitos da tua história
Canta o Rio Grande com amor.

III

Nós, como bons torcedores,
Sem hesitarmos sequer,
Aplaudiremos o Grêmio
Aonde o Grêmio estiver.

IV

Lara****, o craque imortal,
Soube o teu nome elevar.
Hoje, com o mesmo ideal,
Nós saberemos te honrar.


Do livro “Foi assim
O cronista Lupicínio Rodrigues conta as histórias das suas músicas” L&PM

* Liga dos Canelas Pretas é o nome popular da Liga Nacional de Futebol Porto-Alegrense, do início do século XX, formada na região do antigo bairro da Ilhota, em Porto Alegre unicamente por “homens de cor”, também chamada de Liga da Canela Preta ou simplesmente de Liga Canela Preta.

** Em 1953, o Grêmio jogaria no Estádio das Timbaúvas, do Força e Luz, na rua Alcides Cruz, no bairro Santa Cecília, no Caminho do Meio. Nesse dia houve uma greve do pessoal da Carris. No centro da cidade, muita gente esperou pelos bondes, que não circularam nesse dia. Entre os torcedores, estava Lupicínio Rodrigues. Alguém, na multidão, gritou: “Pessoal, até a pé nós iremos a este jogo!”. Lupi ficou o bordão na cabeça, ali estava o primeiro verso do futuro Hino do Grêmio.

*** Atualmente, estão alterando esse verso para 100. Em 1953, ano do hino, o Grêmio tinha 50 anos, pois foi fundado em 1903.

**** Lara, goleiro, é o único atleta do Grêmio citado no hino.


Lara por Xico


Um comentário:

  1. Somos gremistas de pai para filhoª desde sempre não sabia que Lupicínio Rodrigues também era admiração redobrada!...

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