segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Papos



− Me disseram...
− Disseram-me.
− Hein?
− O correto é “disseram-me”. Não “me disseram”.
− Eu falo como quero. E te digo mais... Ou é “digo-te”?
− O quê?
− Digo-te que você...
− O “te” e o “você” não combinam.
− Lhe digo?
− Também não. O que você ia me dizer?
− Que você está sendo grosseiro, pedante e chato. E que eu vou te partir a cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. Como é que se diz?
− Partir-te a cara.
− Pois é. Parti-la hei de, se você não parar de me corrigir. Ou corrigir-me.
− É para o seu bem.
− Dispenso as suas correções. Vê se esquece-me. Falo como bem entender. Mais uma correção e eu...
− O quê?
− O mato.
− Que mato?
− Mato-o. Mato-lhe. Mato você. Matar-lhe-ei-te. Ouviu bem?
− Eu só estava querendo...
− Pois esqueça-o e para-te. Pronome no lugar certo é elitismo!
− Se você prefere falar errado...
− Falo como todo mundo fala. O importante é me entenderem. Ou entenderem-me?
− No caso... Não sei.
− Ah, não sabe?
− Não o sabes? Sabes-lo não?
− Esquece.
− Não. Como “esquece”? Você prefere falar errado? E o certo é “esquece” ou “esqueça”? Ilumine-me. Me diga. Ensines-lo-me, vamos!
− Depende.
− Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar-me-lo-ias se o soubesses, mas não sabes-o.
− Está bem, está bem. Desculpe. Fale como quiser.
− Agradeço-lhe a permissão para falar errado que me dás. Mas não posso mais dizer-lote o que dizer-te-ia.
− Por quê?
− Porque, com todo este papo, esqueci-lo.

Luis Fernando Veríssimo


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