Contra a força do destino não adianta
lutar. Digo isso porque, desde o curso primário, lá em Piratini, tive pavor a
números, em Aritmética fui sempre um zero à esquerda. Depois fui estudar em
Pelotas, hospedando-me na casa do tio Tércio - que tinha uma quinta nas
Três-Vendas -
e consegui tirar o ginásio, apesar da minha ojeriza para com o professor de
Geometria, o irmão Nono, que, pra, mim era uma besta-quadrada que só faltava
cair de quatro e sair pastando. Em quarenta e poucos vim estudar aqui em Porto Alegre , morando
numa pensão no centro, a quatro passos da Travessa Mário Cinco-Paus, e sofrendo
essa balbúrdia de mil demônios com a gente se pechando nos outros a três por
dois. Também no Julinho, com uma rapaziada cheia de nove-horas, tive a
impressão de estar sendo recebido com quatro pedras na mão. Um dia um
grãfininho me chamou de “grosso” e eu, que nunca fui de meias palavras,
sentei-lhe nas fuças os cinco mandamentos. Depois tentei imitá-los, mas, tão certo
como dois e dois são quatro, convenci-me de que quem nasceu para dez réis nunca
chega a ser tostão. Mandei a “finura” pra os quintos!
Mas um dia conheci um colega chamado
Paixão, homem dos sete-instrumentos, bom ginete, discursador, cantador, e que,
pra declamar, era um número! O sexto-sentido me disse que íamos somar nossas
forças e, de fato, em duas paletadas estava formada a parelha. (Só tive
arrepios quando ele me disse que ia entrar para a Agronomia e se especializar
como agrimensor, o coitado). Decidimos cultuar as tradições rurais e
conclamamos a gauchada aos quatro ventos. Esperávamos contar com miles de
companheiros, mas, no dia da primeira reunião, só apareceu meia-dúzia de gatos
pingados. Achei que tínhamos nos metido numa camisa de onze varas, mas o Paixão
gritou: “Mais vale um pássaro na mão do que dois voando!” E, mesmo com um
punhadinho de gente, partimos para fandangos, provas campeiras e o
diabo-a-quatro. E a coisa pegou fogo, apesar da descrença de terceiros. Só o
que eu jamais poderia ter imaginado foi o nome escolhido para nós:
- CTG
35.
Então entreguei os pontos e até fui
tirar um cursinho de Matemática. Mas, da metade pra o fim, tudo deu certo, e
hoje considero Porto Alegre uma cidade trilegal.
* Luiz Carlos Barbosa Lessa (Piratini, 13 de
dezembro de 1929
-
Camaquã, 11 de
março de 2002)
foi um folclorista,
escritor, músico, advogado e historiador
brasileiro.
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