Carlos Simon por Baptistão
- Arbitragem, disse o juiz,
depende de sorte. Não, não é que tudo dependa da sorte. A sorte ajuda sempre.
Mas em arbitragem ou o sujeito tem sorte ou não tem nada. Exemplo? Dou um. Está
aqui mesmo. Minha carreira de juiz terminou por falta de sorte. Não, até que eu
era bom. Era mesmo. Conhecia a regra, tinha um olho infalível, um preparo
físico excepcional e sabia a hora de apitar. O que eu não tinha era sorte e
isso curso nenhum dá para ninguém. Eu estava com tudo pronto para passar para
primeira divisão. Tenho recorte de jornal lá em casa. Me chamavam de
“Apito de Ouro”. Naquele tempo, um juiz ganhava duzentos reais para apitar. Eu
cheguei a cobrar quinhentos. Era o juiz, modéstia à parte. Mas eu sabia que não
tinha sorte. É engraçado, mas por dentro eu sabia. Só estava esperando o dia.
Aí me contrataram para apitar um jogo numa cidade aí da serra. Jogo brabo.
Entrei e fui aplaudido. Aí está a prova do respeito que o pessoal me tinha. E
começou a partida. Eu marcando em
cima. Não deixava passar nada. Zero a zero. É, zero a zero
Jogo para inimigo. Eu tomando um cuidado louco. Apitava e explicava o lance:
“ergueu o pé demais, conduziu a bola com a mão”. Mas o time da casa estava
ficando meio louco e eu vendo que alguma coisa ia acontecer. Nisso o time da
casa ganha escanteio. Fui para a área com o olho que era um aço. Escanteio foi
a maior invenção do futebol. O jeito é dar logo a falta de um atacante, como
fazem os juízes de hoje. Falta do atacante e pronto, ninguém discute, porque em
escanteio todo mundo se empurra mesmo. Mas eu resolvi dar uma de bom. Não tinha
nada que fazer isso, mas resolvi fazer. Fiquei ali e mandei chutar. Veio a bola
lá de cima, o goleiro deu de soco, a bola foi para fora da área, um lateral
tornou a jogar para dentro. Minha cabeça parecia um pião. Eu olhava tudo,
acompanhava tudo. Nisso, o zagueiro rabeia, a bola me encobre e ouço bem atrás
de mim: “Deixa!”, e pam parte o tiro e gol. Mas no que a bola partia eu já
apitava com todos os pulmões que tinha. E em seguida berrei. “Falta técnica”.
Correu todo para cima de mim. “Falta técnica”, eu berrava, “Falta técnica”. O
capitão do time já chegou me cuspindo todo. Botava baba pela boca: “Que falta
técnica, seu?”. E eu não tive dúvidas: “Gritaram deixa, não pode. Gritaram
deixa e é falta técnica”. Mas o capitão do time não se conformou: “Quem foi que
gritou, seu?” São momentos decisivos na vida de um homem. Me virei como um raio
e apontei para o baixinho que tinha chutado: Foi ele que berrou deixa.” Foi um
ronco só no time deles; “Logo o mudinho, seu ladrão!” E aí comecei a apanhar do
time inteiro. Veja o meu azar, com onze ali à disposição, fui logo apontar para
um mudo. Deram em mim e na minha carreira. Nunca mais apitei nenhum jogo.
“História de Futebol”, de Sérgio
Jockymann
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