segunda-feira, 19 de maio de 2014

Preto Velho



José Álvaro Diniz Nogueira, Cap Pqdt 108 – Prec 15 – MS 109

Preto velho de tamanco
Gemendo triste num banco
Daquele trem da Central!
Preto, quem te fez mal?
Para chorares tanto assim?!

Neste lamento sem fim
Que a todos promove graça,
Chamando-te de cachaça,
Num sarcasmo revoltante
Do teu gemido constante.
Lamento de tua raça
Carregando por desgraça
A mancha da escravidão
Trancada no coração!

No coração do oceano,
Daquele mar africano
Que te viu tão desolado,
Com o pescoço acorrentado,
Com a alma dilacerada
Pela sina desgraçada
Do teu destino de escravo!

Moço e forte como um bravo
Tu chegaste aqui vendido...
O teu canto e o teu gemido
Ecoaram pelos ares,
Levantaram os Palmares,
Chefiados por Zumbi!

Preto velho, olha aqui!
Eu te quero com ternura!
Não ligue a minha brancura,
Nem o meu porte português!
Aquilo que alguém te fez
Por maldade... Oh! Desgraçado!
Hoje está acabado,
As correntes destroçadas,
Nos tumbeiros naufragadas!
O tronco todo quebrado!
Preto velho libertado!

Preto velho, meu amigo,
Eu quero falar contigo
Do meu amor fraternal,
Como a gente brasileira,
Com as cores da bandeira
Da Bandeira Nacional!

Preto velho de tamanco,
Eu não me sinto tão branco,
Como tu pensas, por certo!
Chega bem aqui pra perto!
Que importa a nossa cor?!
Se o meu peito é todo amor
Pelo bem, que me fizeste
Quando pra cá tu vieste
Naquele navio negreiro...
Preto velho brasileiro,
Brasileiro como eu,
Como as nossas tradições
Transbordando os corações
Ritmadas pelo samba...

Preto velho, tu és bamba
Batucando no terreiro
Ao compasso do pandeiro
Desse ritmo que é teu!
Preto velho, tu és meu!
Bebemos do mesmo leite
Que a mãe preta nos deu
Sentados naquela esteira...

Preto velho, que besteira
Esse lamento sem fim...
Chega bem junto a mim,
Esquece dessa saudade,
Tu és feito de bondade,
De carinho e sentimento...

Preto velho, eu não aguento
Essa coisa diferente...
Nós somos a mesma gente!
Donos da mesma terra!
Irmãos na paz e na guerra!
Não havendo diferença,
Trazemos a mesma crença
Unidas no coração.

Preto velho... Esta Nação
Mostrará  ao mundo inteiro
Que a voz do teu pandeiro
E a verdade do meu verso
São um brado de liberdade,
Liberdade par todo o Universo!

Marechal Hermes, RJ, 13 de maio de 1958.

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