segunda-feira, 28 de abril de 2014

A vida do homem

Francisco Xavier Ferreira Marques


Itaparica, 3 de dezembro de 1861 - Salvador, 30 de outubro de 1942;
Foi um jornalista, político, romancista, poeta e ensaísta brasileiro;
Foi eleito em 24 de julho de 1919 para a cadeira 28 da Academia Brasileira de Letras.

A vida do homem
  
Deus deu só 30 anos ao homem quando o Criou. Mas profetizou-lhe boas coisas:
- Serás o senhor da Terra e o animal superior.

O homem ouviu calado.

Já ao burro deu 50 anos. No destino do muar não havia dúvidas sobre os trabalhos e os sofrimentos que o esperavam:
- Vais viver como escravo do homem conduzi-lo e também os fardos que te puser às costas!
O burro ficou inconformado:
- Escravidão, cargas, privações e viver 50 anos! É muito, Senhor, bastam-me 30.

Deus não lhe deu ouvidos e criou o cão e disse:
- Viverás 30 anos: sofrerás açoites e terás de lamber a mão daquele que te castiga!
O cachorro não gostando muito, resmungou:
- Vigiar dia e noite, ser açoitado, padecer fome e viver 30 anos! Não, Senhor, quero só 10!

O Senhor também nem ligou para a sua reclamação. E continuou a criação e fez o macaco:
- Teu ofício é alegrar o homem, arremedando-o, fazendo careta para dissipar-lhe a tristeza: viverás 50 anos!
Também o macaco quis viver menos:
- Senhor, é muito tempo para mim! Basta-me viver 30 anos!

O homem, até então calado, pede a palavra:
- Senhor, 20 anos que o burro não quis; 20 que o cão enjeitou; 20 que o macaco recusou; dai-me, pois só 30 anos é pouco para o rei dos animais!

O Senhor pensou um pouco e concordou sob sinistras condições:

- Toma-os: viverás 90 anos, mas com uma condição: Cumprirá não só o teu destino, mas também o do burro, o do cão e do macaco!

Conclui o narrador que assim vive o homem: até os 30, tudo vai bem. Vive como homem, de acordo com o planejamento do Criador. Mas quando começa a viver a cota dos animais, a coisa fica preta. Dos 30 aos 50 tem família e trabalha duro pra sustentá-la: é burro. Dos 50 aos 70, vive como sentinela da família, defendendo-a, mas sem poder impor sua vontade, tem obrigações: é cão. Dos 70 aos 90, o que ia mal fica pior: sem forças, curvo trôpego, enrugado, vegeta a canto, inútil, ridículo. Faz rir com sua gula, sua caduquice. Sabe que não o tomam a sério, mas resigna-se e tem gosto em ser palhaço das crianças: é macaco



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