sábado, 26 de abril de 2014

Praça dos Açorianos – Riacho

Álvaro Moreyra


Arroio Dilúvio - 1896

Eu me lembro de você, Riacho. Não porque fosse histórico, ou porque fosse artístico, eu o amei desde pequeno (mais pequeno...), quando ia à rua da Margem, e não sabia o que era história e o que era arte. Quero-lhe bem há cinquenta anos, pela sua humildade, pela sua doçura, pela sua poesia. Você não é um pedaço de água a nadar vagarosamente entre duas beiras de terra da minha terra. Você, com aquela mesma ponte, aqueles salgueiros iguais e o céu caído em cima, mudando sempre, sempre outro, sempre diverso, você é uma criatura que envelheceu como se envelhece entre nós, os resumidos assim em forma de gente. Riacho, meu parente, meu camarada, meu mestre. Lembro-me de você, na última vez em que o vi. Não sei música. Se soubesse, contaria como foi. Toda a cidade estava ali, dentro da solidão. O sol dormiu em você. Em você acordaram as estrelas... Riacho, pela sua água passaram todos os crepúsculos de Porto Alegre, e alguns foram ao fundo...

Praça da Caridade

1908. Todas as noites, uns rapazes se juntavam por fim na Praça da Caridade, em frente da Santa Casa, e ali se despediam até de madrugada, conversando, declamando, espalhando no ar adormecido irreverências e fanatismo. Todas as noites e todas as estações. Naquele tempo, as estações marcavam principalmente os sentimentos literários, apesar do frio de julho e do calor de janeiro. Sete rapazes. Cada um com o seu jeito. Nenhum influía em nenhum. Clara della Guardia tinha passado por nós, com as mãos bonitas, a voz dolente, e com “A Filha de Iório”, “A Gioconda”, “a Nave”. Do teatro São Pedro saíamos transidos. Fora a grande revelação. Desde a noite que ela nos dera, vinda de tantas cenas do mundo, ficamos inquietos e mais artificiais, mas tão sinceros, que a vida não chegava e inventamos vidas diferentes, vidas soltas no espaço sem fronteiras. A legenda, gravada na placa colocada no saguão da antiga casa de espetáculos, e oferecida por um discurso de Felipe (D´Oliveira), orientava a nossa exaltação: “Cosa bella mortale passa, e non d´arte”. A província é a sensibilidade. Da província é que vêm as ilusões, os encantos dos erros bons, os ingênuos destinos que nunca se cumprem... Os sete rapazes se dispersaram*. Depois, a loucura destruiu Antonius. Depois, a morte carregou o Eduardo. Depois o Felipe não veio mais da Europa...

* Os sete rapazes, a que se refere Álvaro Moreyra, são, além dele mesmo: Homero Prates, Felipe D´Oliveira, Francisco Barreto, Carlos Azevedo, Antônio Barreto (Antonius) e Eduardo Guimarães.



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