domingo, 27 de abril de 2014

Meu nome é Rádio!



O texto famoso de Hélio Ribeiro “Eu sou o rádio” foi interpretado na Banda B, em 2008, em uma entrevista com o radialista o locutor da CNT Armando de Carvalho que, ao vivo sem errar uma vírgula, emocionou os ouvintes. No http://vivaogol.blogspot.com/ você pode conferir o áudio. Ele é lido em todas as Faculdades de Comunicação do Brasil.

Esse texto foi escrito por Hélio Ribeiro para a Rádio Excelsior de São Paulo no Dia do Rádio, em 1989.

Meu Nome é Rádio

Meu nome é rádio, minha mãe é dona Ciência, meu pai é Marconi.
Sou descendente longínquo do telégrafo, sou o pai da televisão.
Fisicamente, sou um ser eletrônico.
Meu cérebro foi concebido e formado por válvulas, minhas artérias são fios por onde corre o sangue da palavra.
Meus pulmões são tão fortes que consigo falar com pessoas dos mais distantes pontos deste pequeno planeta chamado Terra.
Minha vitamina chama-se kilowatt.
Quanto mais kilowatts me dão, mais forte eu fico e mais longe eu chego.
Hoje, graças às baterias que me alimentam, eu posso simultaneamente levar informações aos contrafortes das cordilheiras, às barrancas dos rios, ao interior de veículos que trafegam no centro nervoso das grandes cidades, à beira plácida dos lagos, à cabeceira dos doentes nos hospitais, aos operários nas fábricas, aos executivos nos escritórios, aos idosos que vivem só e às crianças que só vivem.
Eu falo aos religiosos, aos ateus, às freiras, às prostitutas, aos atletas, aos torcedores, aos presos, aos carcereiros, banqueiros e devedores.
Falo a estudantes e professores…
Seja você quem for, eu chego lá, onde quer que você esteja!
Ao meu espírito resolveram chamar “ondas”.
Eu caminho invisível pelo espaço para oferecer ao povo a palavra, a palavra nossa de cada dia.
Mas estou sempre sujeito a cair em tentação e, às vezes, não consigo me livrar de todo mal.
Quando eu nasci, meu pai me disse que eu tinha uma missão:
ajudar a fazer o mundo melhor, entrelaçando os povos de todas as partes deste planeta.

Meu nome é rádio.
Eu não envelheço, me atualizo.
Materialmente, eu sou aperfeiçoado a cada dia que passa.
As grandes válvulas do meu cérebro foram substituídas por minúsculos componentes eletrônicos.
Os satélites de comunicação, gigantescos engenhos girando na órbita deste planeta, permitem hoje que eu seja mais universal, mais dinâmico e menos complicado, como meu pai Marconi queria que eu fosse.
Minha forma técnica tem sido aperfeiçoada a milhares de anos luz, mas eu acho que, no todo, o meu conteúdo ainda necessita ser burilado e melhorado, e trabalhado e aperfeiçoado.
Tenho noção, mas eu já perdi a conta do número de pessoas que eu ajudei indicando caminho, devolvendo a esperança, anulando a tristeza, conseguindo remédios, sangue, achando documentos perdidos, divulgando nascimentos e passatempos.
Mas eu não sou tão sério assim como eu posso estar parecendo.
Na verdade, um dos meus principais interesses é fazer com que as pessoas vivam mais alegres.

Por isso, passo grande parte do meu tempo ensinando as pessoas a cantar e a dançar, minha grande vontade é a de ser amigo, sempre.
O amigo que todos gostariam de ter: útil nas horas sérias, alegre nas brincadeiras e responsável… sempre!
No esporte, tô sempre em cima do lance; nos dois lados da rede das bolinhas de tênis ou de voleibol,
e lá vem bola, na área do futebol, jogou na cesta tô lá, nadou, pulou, saltou, girou, pegou, virou, driblou, girou, gol!
Pode ser no pequeno clube da periferia ou nos grandes estádios Olímpicos.
Tenho noção de minha força política.
Com uma notícia que dou, eu posso ajudar a eleger o diretor de um clube ou derrubar um presidente.
Entendo minha grande responsabilidade de agente acelerador das modificações sociais.
E morro de medo, que me transformem em um mentiroso alienador.
Sem querer ser vaidoso, eu posso até afirmar que se eu não tivesse nascido, o mundo não seria o mesmo.

Meu nome é rádio.
Eu não quero ser mal entendido.
Eu sou apenas um instrumento.
Para fazer tudo isso que eu disse que faço, eu preciso de uma equipe, de seres humanos, humanos!
Que não tenham medo do trabalho, que entendam de alegria, emoções, fraternidade, que saibam sentir o pulso do campo e o coração da grande cidade.
E que tenham noção básica de tudo aquilo que fazemos é para conquistar ouvidos e melhorar pessoas.
O que jamais conseguiremos, se nos esquecemos, que minha existência se deve ao número dos que me ouvem.
O rádio vale pelo volume e a qualidade dos seus ouvintes.
Eu podia fazer muito mais, mas, às vezes, falta dinheiro pra fazer tudo aquilo que eu quero.
Eu sei que posso realizar o sonho do meu pai, Marconi, e mudar o mundo pra melhor.
Outro dia, fiquei muito triste quando ouvi um tal de Hélio Ribeiro dizer que eu, o rádio, “sou a maior oportunidade perdida de melhorar o mundo”.
Eu sou apenas um instrumento.
Eu preciso de gente que me entenda,
me respeite e que me ajude a cumprir a minha missão.
Ah, com alegria, muita alegria…
Se possível.
  
*Esse poema está na internet declamado pelo próprio Hélio Ribeiro


Hélio Ribeiro é o nome artístico de José Magnoli, nascido em São Paulo, onde se tornou célebre na década de 70, na Rádio Bandeirantes, onde apresentava suas crônicas no Jornal do Meio Dia. Ninguém conseguiu fazer o que Hélio fazia nas traduções das músicas internacionais. Ele simplesmente buscava o contexto da música e declamava sobre ela, sem o menor compromisso de mostrar exatamente e que dizia verso por verso. Morreu no ano 2000.



4 comentários:

  1. Obrigado! Eu conheci esse texto através do rádio e foi uma conexão foda. Aqui em salvador num programa chamado Memórias do radio do radialista Perfilino neto.

    ResponderExcluir
  2. Hélio Ribeiro, o Poder da Mensagem, além da exuberante voz, com que cantarolava as melodias, declamava poemas ao vivo e traduzia lindas músicas estrangeiras, foi o maior apresentador de rádio de todos os tempos, por usar, como ninguém, sua criatividade e espargir, em tudo o que fazia, altíssimo grau de sensibilidade, sabedoria e alegria. - Foi locutor de cinema, nos Estados Unidos da América e diretor-artístico de várias rádios brasileiras. - Morreu novo, mas tornou-se inesquecível !

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Estando em São Paulo, capital, nos anos 60, ouvi o seu programa, onde tocava uma música cantada em inglês, e ele, ao fundo, fazia a tradução para que os ouvintes entendessem o que estava sendo interpretado.

      Excluir