“As mulheres têm uma maneira de falar
que eu chamo de vago-específica.”
Richard Gehman
- Maria,
ponha isso lá fora em qualquer parte.
- Junto
com as outras?
- Não ponha junto com as
outras, não. Senão pode vir alguém e querer fazer qualquer coisa com elas.
Ponha no lugar do outro dia.
- Sim
senhora. Olha, o homem está aí.
- Aquele
de quando choveu?
- Não,
o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo.
- Que
é que você disse a ele?
- Eu
disse pra ele continuar.
- Ele
já começou?
- Acho
que já. Eu disse que podia principiar por onde quisesse.
- É
bom?
- Mais
ou menos. O outro parece mais capaz.
- Você
trouxe tudo pra cima?
- Não
senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe porque a senhora recomendou
para deixar até a véspera.
- Mas
traga, traga. Na ocasião, nós descemos tudo de novo. É melhor, senão atravanca
a entrada e ele reclama como na outra noite.
- Está
bem, vou ver como.
(Millôr Fernandes em O Pif-Paf – O Cruzeiro
de 1956)
A Mensagem
Num mundo em que a comunicação é tudo
e o dinheiro sempre pouco, conta-se aqui uma história altamente moral sobre a
inutilidade da primeira enquanto se economiza o segundo.
E chamou o pintor e lhe encomendou a
placa para anunciar a especialidade do seu negócio:
“Nesta casa se vende ovos frescos”.
Além dos dizeres recomendou ao pintor que bolasse uma figura, qualquer alegoria
referente ao ramo. E perguntou quanto era. O pintor disse que ficaria em
50.000. Cinquenta mil o quê? indagou o comerciante, pensando, inutilmente, numa
moeda mais desvalorizada do que o cruzeiro. Cinquenta mil cruzeiros, disse o
pintor. Ah, não vale, disse então o comerciante. Como não vale? retrucou o
pintor, ofendido em sua arte mais do que atingido em sua economia. O senhor não
poderia reduzir um pouco? arriscou o comerciante. Claro que posso, disse o
pintor, posso reduzir a figura e os dizeres. Como assim? disse o negociante.
Olha, explicou o pintor, pra começo de conversa, não precisamos usar figura
nenhuma. Se se diz que o senhor vende ovos não há necessidade de colocar
nenhuma galinha pintada, não é mesmo? Se o normal são ovos de galinha o fato de
não ter nenhuma outra ave faz com que os ovos sejam, presumivelmente, de
galinha. É certo concordou o negociante. Então, fez o pintor, vinte mil
cruzeiros de menos. Agora também não é necessário dizer nesta casa. Se o
freguês passa aqui e vê: se vende ovos frescos já sabe que é nesta casa. Ele
não vai pensar que é na casa ao lado, não é mesmo? Certíssimo! exclamou o
comerciante. Então, continuou o pintor, porque colocar se vende? Se o freguês
potencial lê Ovos
frescos já sabe que se vende. Ninguém pensaria que o senhor vai abrir uma casa
comercial para alugar ovos ou apenas para expô-los, right? É mesmo! espantou-se
ainda mais o comerciante. Quanto ao frescos, continuou impávido o pintor,
refletindo melhor não é de boa psicologia usar essa palavra. Frescos lembra
sempre a hipótese contrária, a de ovos velhos. Não se deve nem ter passado pela
cabeça do comprador a ideia de que seus ovos podem ser outra coisa senão
frescos. Portanto, tiremos também o frescos! Certíssimo! berrou o negociante,
agora profundamente entusiasmado com a dialética do pintor. Façamos, portanto, apensa
OVOS! Só ovos, ovos toutcourt, ovos em si mesmos, que se vendem pela pura e
simples aparência de ovos, pelo seu inimitável oval! Então vamos lá, concordou
o pintor. Mas antes de começar a usar o pincel voltou-se para o negociante e
perguntou, preocupado: Mas, me diga aqui, amigo – pensando bem, por que vender
ovos?
Moral: Nunca pomos
onde estamos...
(Millôr Fernandes –
Veja de 1970)
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