segunda-feira, 28 de abril de 2014

A Vaguidão Específica


“As mulheres têm uma maneira de falar 
que eu chamo de vago-específica.”

Richard Gehman
          
- Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte.
- Junto com as outras?
- Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir alguém e querer fazer qualquer coisa com elas. Ponha no lugar do outro dia.
- Sim senhora. Olha, o homem está aí.
- Aquele de quando choveu?
- Não, o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo.
- Que é que você disse a ele?
- Eu disse pra ele continuar.
- Ele já começou?
- Acho que já. Eu disse que podia principiar por onde quisesse.
- É bom?
- Mais ou menos. O outro parece mais capaz.
- Você trouxe tudo pra cima?
- Não senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe porque a senhora recomendou para deixar até a véspera.
- Mas traga, traga. Na ocasião, nós descemos tudo de novo. É melhor, senão atravanca a entrada e ele reclama como na outra noite.
- Está bem, vou ver como.

(Millôr Fernandes em O Pif-Paf – O Cruzeiro de 1956)

A Mensagem

Num mundo em que a comunicação é tudo e o dinheiro sempre pouco, conta-se aqui uma história altamente moral sobre a inutilidade da primeira enquanto se economiza o segundo.

E chamou o pintor e lhe encomendou a placa para anunciar a especialidade do seu negócio:

“Nesta casa se vende ovos frescos”. Além dos dizeres recomendou ao pintor que bolasse uma figura, qualquer alegoria referente ao ramo. E perguntou quanto era. O pintor disse que ficaria em 50.000. Cinquenta mil o quê? indagou o comerciante, pensando, inutilmente, numa moeda mais desvalorizada do que o cruzeiro. Cinquenta mil cruzeiros, disse o pintor. Ah, não vale, disse então o comerciante. Como não vale? retrucou o pintor, ofendido em sua arte mais do que atingido em sua economia. O senhor não poderia reduzir um pouco? arriscou o comerciante. Claro que posso, disse o pintor, posso reduzir a figura e os dizeres. Como assim? disse o negociante. Olha, explicou o pintor, pra começo de conversa, não precisamos usar figura nenhuma. Se se diz que o senhor vende ovos não há necessidade de colocar nenhuma galinha pintada, não é mesmo? Se o normal são ovos de galinha o fato de não ter nenhuma outra ave faz com que os ovos sejam, presumivelmente, de galinha. É certo concordou o negociante. Então, fez o pintor, vinte mil cruzeiros de menos. Agora também não é necessário dizer nesta casa. Se o freguês passa aqui e vê: se vende ovos frescos já sabe que é nesta casa. Ele não vai pensar que é na casa ao lado, não é mesmo? Certíssimo! exclamou o comerciante. Então, continuou o pintor, porque colocar se vende? Se o freguês potencial lê Ovos frescos já sabe que se vende. Ninguém pensaria que o senhor vai abrir uma casa comercial para alugar ovos ou apenas para expô-los, right? É mesmo! espantou-se ainda mais o comerciante. Quanto ao frescos, continuou impávido o pintor, refletindo melhor não é de boa psicologia usar essa palavra. Frescos lembra sempre a hipótese contrária, a de ovos velhos. Não se deve nem ter passado pela cabeça do comprador a ideia de que seus ovos podem ser outra coisa senão frescos. Portanto, tiremos também o frescos! Certíssimo! berrou o negociante, agora profundamente entusiasmado com a dialética do pintor. Façamos, portanto, apensa OVOS! Só ovos, ovos toutcourt, ovos em si mesmos, que se vendem pela pura e simples aparência de ovos, pelo seu inimitável oval! Então vamos lá, concordou o pintor. Mas antes de começar a usar o pincel voltou-se para o negociante e perguntou, preocupado: Mas, me diga aqui, amigo – pensando bem, por que vender ovos?

Moral: Nunca pomos onde estamos...

(Millôr Fernandes – Veja de 1970)




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