Um dos hábitos dos artistas,
sobretudo em peças teatrais, era deixar o script atrás do cenário para
decorar as suas falas. O ator (ou atriz) ficava olhando o script até a
hora de entrar em cena outra vez, porque a memória também pode ser fotográfica.
Havia também as famosas dálias,
nome que foi dado pelo (Ambrósio) Fregolente (1912-1979) para o que geralmente
era chamado de “cola”. Era a salvação para os programas ao vivo.
Um dia, Fregolente tinha que
fazer uma cena muito grande. Ele era um pai que expulsava a filha de casa,
brigava com a mulher ,
fazia o diabo. Ele tinha aquela cena mais ou menos alinhavada, mas apanhou as
folhas do script, cortou e pregou tudo com uma fita adesiva num vaso com
dálias que estava em cima da mesa.
Foi se maquiar e se vestir, a
peça começou. Fregolente atuava com grande segurança até que, de repente, ficou
paralisado de susto: o vaso tinha sido retirado do cenário. A família inteira
reunida para ouvir o que ele tinha a dizer, e Fregolente parado, em pânico.
- Maria... eu preciso falar com vocês...
E procurava pelo vaso, cada vez
mais atônito.
- O que eu tenho a dizer é sério... muito sério...
mas, Maria, onde é que está o vaso de dálias que estava em cima da mesa? Eu
quero as dálias, Maria, sem as dálias eu não falo!
* * * * *
Nessa época (anos 60) que se
registrou a única parceria entre Olavo Bilac e William Shakespeare.
Montaram Romeu e Julieta, com Paulo Porto fazendo Romeu
e Fregolente fazendo o Conde Páris, pretendente de Julieta. Lá pelas tantas, o
Conde Páris entrava em cena, sozinho, para um longo monólogo sobre o amor. O
pátio de Verona era umas quatro colunas armadas no estúdio. Fregolente tinha
pregado o texto inteiro nas colunas, mas enquanto ele vestia a túnica, alguém
pintou as colunas. Fregolente entrou em cena, olhou o cenário e parou,
petrificado. Ele ali sozinho, as câmeras se aproximando, uma delas pronta para
o close, e Fregolente não teve a menor dúvida:
Ora direis, ouvir estrelas!
Certo perdeste o senso...
E foi até o fim no soneto de
Olavo Bilac.
Um dia, Fregolente foi obrigado
a fazer um comercial da Cinzano. Ele não gostava do comercial, mas não tinha
jeito. Devia aparecer envolto num barril com o nome do fabricante e dizer: “Com
Cinzano, quero até o barril!” Reclamou a tarde inteira dizendo que era um
absurdo ter de fazer aquilo. Mas estava no contrato, não adiantava reclamar.
Fregolente entrou no barril,
ensaiou direitinho, até que anunciam: “No ar!” Veio andando, fazendo tudo
conforme o combinado, olhou a câmera com muita dignidade e disse: “Com Cinzano,
quero até o barril!” E imediatamente, sem dar tempo nem para respirar, emendou:
“E vejam a que ponto chega um ator por causa de um contrato mal assinado!”
(Do livro “Antes que me
esqueçam”, de Daniel Filho,
Editora Guanabara)
Editora Guanabara)
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