segunda-feira, 29 de abril de 2024

O grande Paulo Vanzolini

 Tom Cardoso*

Não cantava, não tinha ritmo, não sabia a diferença entre tom menor e tom maior, não tocava pandeiro, muito menos tamborim, nunca usava a palavra “malandro” em suas canções, era formado em Harvard (em zoologia!) e, mesmo assim, é considerado um dos maiores compositores de samba de São Paulo. 

Nem ele sabia explicar a razão do fenômeno, mas suspeito que o distanciamento, o descompromisso com os clichês do gênero, é que o faziam ser tão original, além, claro, da notável capacidade de narrar o cotidiano urbano da São Paulo dos anos 1940 e 1950. 

Entrevistei Vanzolini três vezes. Todas no mesmo lugar: num porão no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Sempre imundo, cheirando a éter. O Hemingway do Ipiranga. 

O mau humor era o seu maior charme. E a autoderrisão (a capacidade de rir de si mesmo, como forma de se pôr no lugar do outro e de resistir a uma identidade petrificada). Achava “Ronda”, a sua música mais conhecida, uma grande porcaria. “Como é que pode uma música que fala de uma mulher ciumenta que procura o amante para matá-lo num boteco fedorento pode ser considerada um hino de São Paulo?” 

É um hino justamente por isso. Não fode, Vanzolini. 

(Do blog El Cocinero Loko) 

Paulo Emílio Vanzolini (São Paulo, 25 de abril de 1924 ‒ São Paulo, 28 de abril de 2013) foi um zoólogo e compositor brasileiro, autor de famosas canções como “Ronda”, “Volta por cima” e “Na Boca da Noite”. 

Nos últimos anos de vida, casado com a cantora Ana Bernardo, já não compunha, mas ainda acompanhava os shows da mulher e frequentava algumas rodas de samba em bares de São Paulo. No dia 25 de abril de 2013, ao completar 89 anos, foi internado no Hospital Albert Einstein por pneumonia. Faleceu três dias depois. 

* Tom Cardoso (26 de dezembro de 1972) é um jornalista, escritor e crítico musical brasileiro. Começou sua carreira em 1994, no Jornal da Tarde. Três anos depois, foi para o Caderno 2 de O Estado de S. Paulo, onde ficou até 1998. Neste mesmo ano, concluiu a graduação em Jornalismo nas Faculdades Integradas Alcântara Machado. 

Ronda 

Paulo Vanzolini 

De noite eu rondo a cidade

A te procurar sem encontrar.

No meio de olhares espio,

Em todos os bares,

Você não está...

Volto pra casa abatida,

Desencantada da vida,

O sonho alegria me dá,

Nele você está.

Ah, se eu tivesse

Quem bem me quisesse,

Esse alguém me diria:

“Desiste, esta busca é inútil”.

Eu não desistia,

Porém, com perfeita paciência,

Volto a te buscar.

Hei de encontrar

Bebendo com outras mulheres,

Rolando um dadinho,

Jogando bilhar.

E neste dia, então,

Vai dar na primeira edição:

“Cena de sangue num bar

Da Avenida São João!”

domingo, 28 de abril de 2024

Você entendeu a mensagem?

 Anúncio:

“Oi, meu nome é Paulo. Estou vendendo bolo de chocolate, hoje, somente das 14 horas às 17 horas, na entrada da faculdade. Informo que cada fatia custa cinco reais, os interessados podem entrar em contacto comigo pelo celular 99999898”. 

Os interessados sempre perguntam: 

‒ Como é mesmo o teu nome? 

‒ Qual é o horário da venda dos bolos? 

‒ O bolo é de que mesmo? 

‒ Em que lugar posso comprar o bolo? 

‒ Posso comprar às 18 horas? 

‒ Como faço para entrar em contacto contigo?

Fé no Funk

 

O que o funk tem a ver com a fé brasileira? O gênero musical começa a se delinear na década de 1960 nos Estados Unidos, a partir de músicos negros dispostos a cruzar a referência do soul, do jazz e do rhythm and blues. De forma resumida, o funk se caracteriza pelo ritmo de batidas repetitivas sincopado, de caráter altamente percussivo e dançante. 

O Rio de Janeiro criou um funk próprio, carioca, distinto daquele que veio se estruturando nos Estados Unidos, ainda que beba na fonte dele. Misturando um caldeirão sonoro de referências da black music, com letras que tematizam os diversos aspectos do cotidiano nas favelas e periferias cariocas, o funk do Rio tem também, em suas vertentes, influências de batuques oriundos das rodas de samba e dos atabaques sagrados das umbandas e candomblés. 

Ouvidos mais atentos podem perceber que o alujá de Xangô, ritmo rápido e contínuo tocado para o orixá do fogo, e o toque de congo, característico das casas de candomblé de Angola e da umbanda, estão potencialmente diluídos no caldeirão sonoro do tamborzão funkeiro, misturados às batidas repetitivas do rap, do freestyle e dos miamibass dos sons negros norte-americanos. É como se a memória sonora da cidade, profundamente marcada pelos sons saídos da África e aqui redefinidos, gritasse a ancestralidade nos bailes que balançam o Rio de Janeiro e os corpos cariocas. 

Curiosidade 

Na primeira década do século XXI, o passinho passou a se popularizar como uma nova maneira de se dançar o funk carioca. Concursos entre dançarinos, as batalhas do passinho passaram a mobilizar comunidades em torno de seus dançarinos e dançarinas. No Carnaval carioca de 1997, a Unidos do Viradouro, apresentando o enredo “Trevas, luz: a explosão do universo”, trouxe como grande novidade uma batida de funk no refrão do samba-enredo, realizada pelos ritmistas da bateria do mestre Jorjão. A agremiação foi a grande vitoriosa do carnaval daquele ano. 

(Do livro “Almanaque Brasilidades”, de Luiz Antonio Simas)

O organograma da orquestra

 Da OSPA* de Porto Alegre, RS.

Número de músicos 

104 músicos selecionados por concurso público. Primeiro violino, segundo violino, viola, violoncelo, contrabaixo, flauta, flautim, oboé, corne-inglês, clarinete, clarone, fagote e contrafagote, trompa, trompete, trombone, trombone baixo, tuba, tímpano, percussão e piano. 

Maestro 

Os cargos de maestro e diretor artístico da Ospa podem ou não ser assumido pela mesma pessoa. Atualmente, Evandro Matté desempenha ambas as funções. Para os dois cargos, é preciso ter formação em Música. Na Ospa, os cargos de maestro e diretor artístico são definidos pelo governo do Estado, mais especificamente pela Secretaria da Cultura. Sendo cargo de confiança, o tempo de ocupação é dado pelo governo. 

Spalla 

Os spallas são violinistas que têm as funções de liderar o grupo de músicos da orquestra, organizar as arcadas da família das cordas e contribuir com o maestro na organização dos ensaios. As orquestras têm dois spallas, que se revezam na programação. Na Ospa, eles são Emerson Kretschmer e Omar Aguirre. 

Naipe de madeiras 

Posiciona-se no centro da orquestra. O naipe das madeiras inclui flautas, flautim, oboés, corne-inglês, fagote, contrafagote, clarinetes e clarone. 

Naipe de cordas 

Posiciona-se na frente da orquestra. O naipe de cordas é composto por violinos, violas, violoncelos, contrabaixos, piano e harpa. Os violinos são divididos em primeiros e segundos. 

Naipe de metais 

Posiciona-se no fundo da orquestra. O naipe dos metais é formado por instrumentos de sopro, como trompa, trompete, trombone e tuba. 

Naipe de percussão 

Posiciona-se no fundo da orquestra, geralmente em uma plataforma. Alguns dos principais instrumentos do naipe de percussão são tímpanos, marimba, xilofone, glockenspiel, bumbo (ou bombo sinfônico), caixa, vibrafone, pratos, triângulo, pandeiro sinfônico, carrilhão e caixa clara. 

Instrumentos extras 

Além dos tradicionais instrumentos, o programa de cada concerto determina a necessidade de incluir outros instrumentos que podem ser tocados por músicos da Ospa ou músicos externos (ou extras). Alguns dos instrumentos mais comuns são: saxofone, celesta, eufônio e órgão. Concertos com repertório popular seguidamente contam com instrumentos como violão, guitarra, baixo elétrico, bateria etc. 

Coro sinfônico 

O coro sinfônico da Ospa foi fundado em 1969. As apresentações ocorrem em concertos com a orquestra, na Casa da Ospa, nas óperas que a Ospa realiza no Theatro São Pedro e também de forma independente. Todos os 86 integrantes do coro são voluntários. Anualmente, há processo seletivo para novos integrantes. 

Maestro do coro sinfônico 

O cargo é selecionado por meio de concurso público. Não é necessário ser cantor. Atualmente, o cargo é ocupado pelo maestro Manfredo Schimiedt. 


* OSPA: Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. 

Matéria do caderno doc, do jornal Zero Hora, abril de 2024

sábado, 27 de abril de 2024

Chico Buarque fala sobre seu pai

 

Sérgio Buarque de Holanda e Chico Buarque 

“A partir da adolescência eu comecei a entrar no escritório dele, e a minha entrada foi pela porta da literatura. Ele não impunha nada, isso nunca. Mas a presença dele, daqueles livros todos, de certa forma despertavam curiosidade na gente. A maneira de eu me aproximar mais dele talvez tenha sido através da literatura. Então, já com meus 17 anos, não sei bem quando eu comecei a ler mais... Eu ia lá e perguntava. E ele me indicava isso, aquilo... A gente conversava, mas engraçado, nunca sobre História, que era a especialidade dele. E quando a gente perguntava alguma coisa sobre história era em função de trabalhos de escola. Mas ele era um péssimo professor pra gente, porque a gente precisava saber aquela coisa que se dava na escola. Ele entrava nos detalhes e se empolgava, entrava a fundo na matéria, de uma forma que pra gente não servia. Agora, na literatura, ele também sabia tudo e, comigo, o diálogo foi conquistante a partir desse momento. Eu comecei a me interessar. E me perguntei: eu estava mesmo interessado na literatura, ou interessado, através da literatura, em me afirmar diante do meu pai. Mas na literatura, você solicitando, ele foi um professor.” 

“Chico Buarque fala sobre seu pai”, matéria publicada na Folha da Manhã, domingo, 5 de julho de 1992. 

Sérgio Buarque de Holanda foi um historiador, sociólogo e escritor brasileiro. Foi também crítico literário, jornalista e um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores.  

Nascimento: 11 de julho de 1902, São Paulo, São Paulo.

Falecimento: 24 de abril de 1982, São Paulo, São Paulo.

Filhos: Chico Buarque, Miúcha, Álvaro Buarque, Maria do Carmo Buarque, Ana de Holanda, Cristina Buarque, Sérgio Buarque.

Netos: Bebel Gilberto, Helena Buarque, Luísa Buarque,

 


sexta-feira, 26 de abril de 2024

O fim de todo fascista

 A morte de Benito Mussolini

O líder italiano Benito Mussolini morreu no dia 28 de abril de 1945 quando tentava fugir de Itália. Foi executado por resistentes antifascistas no norte do país e o seu corpo e o da amante, Claretta Petacci, exibidos em público. 

Após a execução, o corpo de Benito Mussolini foi levado até ao centro de Milão onde foi mutilado e pendurado de cabeça para baixo, ficando exposto para que todos o pudessem ver. Ao seu lado estava Claretta Petacci.

Terminava assim a vida do primeiro ditador fascista a assumir o poder num país europeu. Enquanto líder de Itália tentou reencarnar o espírito de Júlio César ressuscitando mesmo alguma da iconografia do período imperial. 

Após conquistas em África sobre exércitos débeis, a situação mudou quando, durante a II Guerra Mundial, enfrentou as forças aliadas. Na Grécia ou no Norte de África foi repetidamente ajudado por Hitler, obrigado a socorrer o seu aliado que se mostrou incapaz de resistir a forças mais modernas e organizadas. 

Os insucessos militares levaram o rei de Itália a afastá-lo do poder e a prendê-lo em 1943. Mais uma vez seria Hitler a socorrê-lo. Forças nazis libertaram-no do cativeiro numa arriscada operação militar que envolveu forças aerotransportadas.

A Itália ficou dividida com o norte controlado pelas forças fascistas –  a República de Saló – e o sul entregue a um governo que se rendeu e se juntou aos aliados. A zona governada por Mussolini dependeu do exército alemão que assegurou a defesa do território. 

Com o país em  turbulência interna e o avanço dos aliados, a situação de Il Duce tornou-se insustentável e, em 1945, tentou escapar para a Suíça. Durante esta fuga foi capturado e morto. 

(Do blog RTP Ensina)

PS: Joel Silveira narra em seu livro de memórias como correspondente brasileiro junto à FEB: “No dia seguinte, 29 de abril de 1945, um domingo, às 9 horas e 30 minutos da manhã, o corpo de Mussolini (juntamente com o de Claretta Petacci, de Pavolini, de Starace, de Bombacci e de Gelormini) era levado para Milão e jogado no chão duro do Piazzale Loreto. Em seguida, atendendo os reclamos da multidão compacta, foram dependurados de cabeça para baixo, para que todos pudessem vê-los, num travessão de um posto de gasolina”.


 

quinta-feira, 25 de abril de 2024

Pequenas histórias para pensar

 Consciência

Narra uma lenda que Artaxerxes, o antigo rei da Pérsia, que conquistou o Egito, mandara ocultar entre as penas de seu travesseiro a fabulosa quantia de 500.000 talentos a fim de assegurar um sono tranqüilo e contínuo. 

O famoso imperador Calígula, além de seu aparatoso corpo de guarda, mantinha duas terríveis panteras às portas de seu palácio para que ninguém se acercasse de seus aposentos enquanto ele dormia. 

Mais estranha ainda era a mania de Artabaxo, general persa, que punha um escudo por cima da cabeça na vã esperança de que assim procedendo evitaria que o teto o esmagasse, vindo a desabar durante a noite. 

De quantas preocupações inúteis e ridículas se cercam os tiranos e pecadores! 

O único travesseiro que proporciona ao cristão um sono calmo e perfeito é uma consciência tranquila. 

A verdadeira paz, realmente, não é senão o sossego de uma consciência pura. 

Sê, pois, o senhor de tua vontade e conserva tranquila a tua consciência.  

Verbos e Advérbios 

Gérson, célebre chanceler dos merovíngios, dizia, com muita graça, que “Deus, em nossa vida, olha mais para os advérbios do que para os verbos.” 

Qual a razão de tão curiosa preferência? Com explicá-la do ponto de vista gramatical? 

A resposta é fácil e não oferece a menor dúvida: 

O verbo exprime a ação; o advérbio, o modo com que a fazemos. Deus olha, antes de tudo, o modo e não a ação. 

Quer saber como rezamos, respeitosamente, frequentemente – e não, apenas, se rezamos. Assim em tudo. No trabalho, no amor ao próximo, na fé cristã. Deus aprecia os advérbios que devem nobilitar, engrandecer e exaltar as ações. 

(Do livro “Lendas do Céu e da Terra”, de Malba Tahan)